sábado, 31 de julho de 2010

Cajuína

O suco do caju é filtrado. Acrescenta-se gelatina para a retirada da “trava” natural da fruta. Em seguida, o líquido é clarificado. A cor dourada vem da caramelização dos açúcares naturais. Eis a cajuína, bebida típica do Piaui, mas que – é o que se diz – foi criada pelo cearense Rodolfo Teófilo, farmacêutico e escritor que morreu em Fortaleza em 1923.

O texto a seguir, de autoria do Caetano Veloso, extraí do blog do meu amigo Giovanni Soares (http://noticiasdapauliceia.blogspot.com/). Caetano conta como nasceu sua bela "Cajuína". Eu conhecia uma outra versão pra essa gênese, mas o Giovanni é baiano, sabe das coisas e sabe de música. Não bastasse isso, a explicação saiu do próprio autor da canção. Tomo a outra como lenda, então, e pronto. Em tempo: cajuína é uma delícia!

Com  a palavra, Caetano Veloso:

“Numa excursão pelo Brasil com o show Muito, creio, no final dos anos 70, recebi, no hotel, em Teresina, a visita de Dr. Eli, o pai de Torquato [Neto]. Eu já o conhecia pois ele tinha vindo ao Rio umas duas vezes. Mas era a primeira vez que eu o via depois do suicídio de Torquato. Torquato estava, de certa forma, afastado das pessoas todas. Mas eu não o via desde minha chegada de Londres: Dedé e eu morávamos na Bahia e ele, no Rio (com temporadas em Teresina, onde descansava das internações a que se submeteu por instabilidade mental agravada, ao que se diz, pelo álcool). Eu não o vira em Londres: ele estivera na Europa, mas voltara ao Brasil justo antes de minha chegada a Londres. Assim, estávamos de fato bastante afastados, embora sem ressentimentos ou hostilidades. Eu queria muito bem a ele. Discordava da atitude agressiva que ele adotou contra o Cinema Novo na coluna que escrevia, mas nunca cheguei sequer a dizer-lhe isso. No dia em que ele se matou, eu estava recebendo Chico Buarque em Salvador para fazermos aquele show que virou disco famoso. Torquato tinha se aproximado muito de Chico, logo antes do tropicalismo: entre 1966 e 1967. A ponto de estar mais frequentemente com Chico do que comigo. Chico e eu recebemos a notícia quando íamos sair para o Teatro Castro Alves. Ficamos abalados e falamos sobre isso. E sobre Torquato ter estado longe e mal. Mas eu não chorei. Senti uma dureza de ânimo dentro de mim. Me senti um tanto amargo e triste mas pouco sentimental. Quando, anos depois, encontrei Dr. Eli, que sempre foi uma pessoa adorável, parecidíssimo com Torquato, e a quem Torquato amava com grande ternura, essa dureza amarga se desfez. E eu chorei durante horas, sem parar. Dr. Eli me consolava, carinhosamente. Levou-me à sua casa. D. Salomé, a mãe de Torquato, estava hospitalizada. Estão ficamos só ele e eu na casa. Ele não dizia quas e nada. Tirou uma rosa-menina do jardim e me deu. Me mostrou as muitas fotografias de Torquaro distribuídas pelas paredes da casa. Serviu cajuína para nós dois. E bebemos lentamente. Durante todo o tempo eu chorava. Diferentemente do dia da morte de Torquato, eu não estava triste nem amargo. Era um sentimento terno e bom, amoroso, dirigido a Dr. Eli e a Torquato, à vida. Mas era intenso demais e eu chorei. No dia seguinte, já na próxima cidade da excursão, escrevi Cajuína.”


Caetano Veloso em um atual e belíssimo arranjo para "Cajuína".

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Ao alcance da janela

Praia do Futuro, Fortaleza, em foto sem crédito

Vim a Fortaleza a trabalho, e trabalho duro. Pelo tempo que estiver aqui, até final de setembro, será assim, e com isso meu blog ficará um pouco pra escanteio. Pra você ter uma ideia, a essa hora do domingo (comecei esse post às 21h30 do domingo, mas só agora consegui voltar aqui pra terminá-lo), o Brasil decidindo mais um título da Liga Mundial de Volei, e eu aqui na minha mesa de trabalho. A areia da praia do Mucuripe coalhada de gente comendo camarão fritinho no alho e óleo, e eu aqui na minha mesa de trabalho. Mas antes que você possa achar que estou me queixando, saiba que gosto muito desse trabalho, inclusive porque é uma loucura om prazo determinado. E vai ter uma noite ou outra em que vou conseguir dar uma esticada pra algum bar, restaurante, barraca de praia (será que alguma funciona à noite?).

Enquanto isso, resolvi mudar o layout do blog, acrescentar um fundo de areia, alusivo à cidade em que estou, bem no alto do mapa do Brasil, topo do Nordeste brasileiro. O sol aqui é de rachar e comparece dia após dia, religiosamente. Li hoje num jornal que as noites, por essa semana que finda, tiveram temperatura mais amena, os termômetros oscilam entre 23 e 25 graus. Em Curitiba, quando faz isso durante o dia é porque estamos no verão. Coisas do continente chamado Brasil. Que você tenha um ótimo início de semana. E que eu consiga me organizar melhor pra dar mais movimento a esse cantinho aqui, de que tanto gosto.



Ednardo, compositor e cantor nascido em Fortaleza, fez sucesso em todo o país nos anos 1970. Sua música "Pavão Mysterioso" foi tema da ótima novela Saramandaia, de Dias Gomes, que foi ao ar em  l976. Mas postei essa "Terral", música que eu cantava muito ao violão na época, cujo vídeo acima traz uma versão bem mais recente, porque tem sido interessante passar pelo bairro Aldeota e ver a Praia do Futuro da janela de um restaurante onde às vezes tanho almoçado. Os dois lugares são citados na letra da canção, o que fez com que eles me soassem familiar logo de cara, mesmo eu nunca tendo estado aqui antes.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

As velas do Mucuripe

A praia do Mucuripe, em Fortaleza, Ceará, em foto que bati domingo passado bem cedo, da janela do hotel em que estou hospedado.

Fiquei uns dias em trânsito, viajando e me instalando em uma nova cidade, para onde vim a trabalho. Esse processo me impediu de manter postagens regulares, mas ao poucos vou tentar voltar à ativa por aqui. Estou em Fortaleza, a bela capital do Ceará. Ficarei aqui por 3 meses, e quero aproveitar minha estada para falar no blog algo sobre a música nordestina, com um pouco mais de destaque para a produção cearense, na medida do possível. Digo “na medida do possível”, porque não terei o tempo necessário para me embrenhar muito. Vou como der.


Meu apartamento fica no 13º andar do prédio à direita.

Como estou num hotel localizado em frente à praia do Mucuripe, resolvi começar essa jornada musical a partir dela. Claro que quando os cearenses Fagner e Belchior compuseram a música “Mucuripe”, no momento em que a carreira de ambos encontrava-se apenas no começo (com esta música, eles ganharam o Festival de Música Popular do Centro de Estudos Universitários de Brasília, no início dos nos 1970), a praia de Mucuripe certamente era tranquila, pouco povoada, talvez uma pacata vila de pescadores. Nada que sugerisse o que ela se tornaria décadas depois, com essa montoeira de prédios e o asfalto invadindo a areia e roubando parte da paisagem. Ainda assim, o cenário é muito bonito, as velas seguem saindo para pescar e a música “Mucuripe” sempre será, para mim, uma das mais lindas canções brasileiras.

http://www.youtube.com/watch?v=XS7CIwTTGlE&feature=PlayList&p=D8D2B03123A25DEC&playnext_from=PL&playnext=1&index=57
(o código de incorporação deste vídeo não está disponível, basta clicar no link)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Segundo lugar

Foto sem crédito

Como contei brevemente no post anterior, participei da quarta edição do festival Samba do Compositor Paranaense. As apresentações aconteceram no domingo passado, na Sociedade Treze de Maio. Como em todas as edições, haviam sete sambas selecionados entre os inscritos, sendo que destes um foi escolhido, em votação do júri e da platéia, para integrar o CD do festival, a ser gravado ao final de todas as edições.

O nível dos sambas desta edição estava muito bom. Na minha opinião, essa disputa foi mais difícil que a primeira. Fui o sexto a cantar, e sinceramente achava que meu samba “Primeiro tempo” não se classificaria entre os primeiros. No entanto, fiquei em segundo lugar, o que me deixou feliz, pois novamente não levei ninguém para torcer e votar para a minha música. Aliás, desta vez nem minha mulher, a Ariane, pode ir, porque estava com uma gripe violenta, tossindo muito. Então, provavelmente as notas que me classificaram em segundo vieram somente dos jurados, que teve entre seus componentes uma figura das mais respeitadas entre os sambistas de Curitiba, a Mãe Orminda, primeira mulher do Brasil a defender um samba enredo na avenida. Além de muito carismática, a mulher canta muito, e me deixou muito feliz quando olhou para mim e disse “teu samba é maravilhoso”. Ganhei o dia ali. Agora, o samba “Primeiro tempo” vai para uma espécie de repescagem, com os segundos classificados de todas as etapas, e periga entrar no CD. É esperar para ver. Quando eu tiver um áudio deste samba, posto ele aqui. Por agora, fique com a voz e a presença da Mãe Orminda.


Mãe Orminda canta "Como o samba quer e consente" (Cláudio Ribeiro / Tony do Bandolim)