quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Intervalo - Rita Lee


A paulistana Rita Lee Jones, filha de um imigrante norte-americano e de uma neta de italianos, fez parte de grupos musicais desde a adolescência. De um desses grupos, que se fundiu com os remanescentes de outro, nasceu O Konjunto, que por sugestão do cantor Ronnie Von mudou de nome para Os Mutantes. Uma das bandas mais originais da música brasileira, Os Mutantes acompanharam Gilberto Gil no III Festival de MPB da Record, em 1967, fazendo os vocais e guitarras da antológica “Domingo no parque”, segunda colocada no festival, atrás da também legendária "Ponteio", de Edu Lobo e Capinam. Rita Lee, que foi casada com Arnaldo Baptista, um dos integrantes d’ Os Mutantes, deixou o grupo em 1972, prosseguindo em sua mutação musical nos anos seguintes, primeiro formando dupla com Lúcia Turnbull, depois montando outra banda, a Tutti Frutti, que teve como maior sucesso a música “Menino bonito”. No início dos anos 1980, em parceria com o músico e compositor carioca Roberto de Carvalho (com quem vivia desde 1976), Rita estourou no país inteiro. Em 1981, todas as oito faixas do disco que havia lançado no ano anterior ficaram entre as mais executadas. A roqueira finalmente conquistava o reconhecimento da crítica e do público e se tornava uma unanimidade nacional.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Teste na Polygram - parte 1


Em 1981 eu completaria 18 anos de idade. O primeiro efeito civil de tal efeméride era poder, ou melhor, ser obrigado a tirar o Título de Eleitor. Uma providência que só não se mostrou totalmente inútil num país que vivia uma ditadura porque as coisas começavam a mudar. No ano seguinte, houve eleições para governador de estado em todo o Brasil. Sendo eleitor em São Paulo, e já assumidamente de esquerda, não lembro se votei no sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva ou no senador Franco Montoro, que acabou eleito pelo PMDB. Eleição que, aliás, abriu uma vaga  no Senado Federal que foi preenchida pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso.

O grupo “Sangue Novo” se desfez. Acho que não houve uma razão específica. O fato é que a fase da vida em que estamos prestes a atingir a maioridade é particularmente inconstante. Estávamos terminando o ano de 1980. Com a vitória naquele festival com a música “Hino aos trabalhadores”, da qual me tornei parceiro acidental, e a mais do que evidente vocação que eu e meu irmão demonstrávamos ter para a música desde pequenos, meu pai resolveu separar parte das economias da família – que àquela altura já estavam melhorando – para nos presentear com um violão. Era um Di Giorgio modelo “Estudante nº. 16”, um para os dois. Perfeito para que a gente se animasse com a possibilidade de tocar as músicas que gostávamos de ouvir e cantar. Combinamos um revezamento, um tempo x para que cada um pudesse se dedicar ao instrumento. Logo ficou claro que eu tinha muito mais paciência que meu irmão para aprender os acordes e os ritmos. Minha verdadeira intenção ia além de tocar e cantar os sucessos do rádio. Eu queria compor minhas próprias canções. Mas antes de tudo, eu tinha uma promessa a cumprir. Como relatei anteriormente aqui, quando eu tinha 12 anos de idade eu havia prometido que, assim que pudesse ter um violão, a primeira música que eu ia aprender seria “A banda”, do Chico Buarque. Eu não fazia a menor idéia de como executar a canção, então fiz o que faziam praticamente todos que naquela época queriam tocar violão mas não podiam pagar uma escola de música ou um professor particular: corri para uma banca de revistas e comprei um exemplar da “Violão & Guitarra”, exatamente uma edição especial que trazia algumas das principais músicas do Chico devidamente cifradas. A harmonia estava toda lá, e os acordes eram relativamente simples, o que facilitou muito meu trabalho. Em poucos dias eu já conseguia tocar e cantar “A banda” para quem arriscasse ouvir.


Pra minha sorte, a harmonia da "A banda", que vinha na revista Violão & Guitarra (a imagem acima foi escaneada da edição original, que guardo até hoje), não trazia nenhuma dificuldade, mesmo para quem, como eu, apenas engatinhava no instrumento. Outra música que aprendi de cara foi "Pra não dizer que não falei das flores", do Geraldo Vandré. Esse clássico das canções de protesto dos anos 1960 era presença obrigatória no repertório de qualquer um que tivesse seu violão e gostasse de MPB, já que pode ser cantada e acompanhada com o uso de apenas dois acordes básicos: Am (lá menor) e G (sol maior).

Nessa época, as musas conspiraram a favor da minha iniciação musical. Depois de quase um ano sem evoluir na maçante rotina do Bradesco, fui gentilmente demitido. Eu já tinha 17 anos de idade, ou seja, a época de servir o exército se avizinhava, e empresa nenhuma queria manter em seu quadro um rapaz nessas condições. Eu não fazia ideia de que a legislação trabalhista me protegeria, caso eu entrasse com uma ação para anular a demissão, e na verdade não dei a menor bola para isso, pois não suportava mais aquele trabalho. Tentei arranjar alguma coisa sem registro, cheguei a ser aceito como vendedor numa grande loja de calçados que havia na principal avenida do meu bairro, mas às 8 horas da segunda-feira em que cheguei lá, animado para o meu primeiro dia na minha nova ocupação, a gerente que havia fechado comigo se desculpou dizendo que o dono não queria correr o risco de empregar alguém informalmente. Fiquei frustrado, pois precisava continuar trabalhando, já que terminara o colegial e pretendia entrar na faculdade. Sem recursos para pagar um cursinho eu dificilmente conseguiria passar no vestibular da USP, única opção para continuar estudando gratuitamente. Bem que tentei, mas não passei nem na primeira fase da Fuvest, tamanha a defasagem que eu tinha em relação a quem vinha de escolas particulares, muitos deles com reforço de um cursinho no último ano do colegial. Embora naquela época houvesse bem menos vestibulandos que hoje, havia também poucas faculdades e bem poucos cursos, por isso a concorrência era ainda maior, e entrar numa das principais faculdades de São Paulo, mesmo nas particulares, como PUC e Mackenzie, era um feito que se comemorava muito. Tive, então, a ajuda do meu pai, que garantiu para mim a mensalidade de um curso pré-vestibular. Estudei no Poli, cursinho mantido pela Escola Politécnica, que por ter seu custo subsidiado pela USP era mais acessível que os campeões de aprovação Anglo e Etapa.


A música "Como o mar no cais" é provavelmente a primeira que compus e registrei no papel e na memória. Foi feita às vésperas do Natal de 1980, segundo a data visivel na parte superior deste manuscrito original. A sequência de acordes da harmonia é a mais simplória possível, mas a letra, a meu ver, não é de todo ruim, especialmente para quem mal havia completado 17 anos de idade: "Tens a cor da lua triste / entristece a minha noite / fujo e nada de partida / e em meio corpo é como açoite / em minha vida / fica como o mar no cais". A melodia também é interessante, considerando meu estágio na época. Curiosamente, trata-se de um fado.  

Desempregado, ao invés de estudar eu me trancava no quarto quase o dia todo para tocar violão. Como sempre acontecera até então, eu não tinha um espaço só meu. Dividia com meu irmão e minhas duas irmãs um quarto com dois beliches. Meu irmão estava na Aeronáutica. Ficou por lá três anos, saindo depois que desistiu de dar sequência na carreira de ofical da força aérea. Eu só queria saber de tocar violão e compor. Pegava os acordes que aprendia e saía fazendo músicas. A maioria era de qualidade duvidosa, mas eu não me importava com isso e ia anotando tudo. As melodias eu registrava na memória, já que não tínhamos um gravador portátil em casa. Havia dias em que eu compunha três músicas. Também ia aprendendo várias canções de sucesso, razão pela qual comecei a ser convidado para ir a inúmeras festas e reuniões de amigos e de amigos dos amigos, desde que, claro, eu levasse o violão. Minha timidez ficava escondida atrás de um repertório de MPB que agradava a maioria das garotas e rapazes que me ouviam, mas eu só mostrava minhas próprias canções para poucas pessoas. Uma delas foi uma "amiga" (assim mesmo, entre aspas) do meu irmão, que tinha a pretensão de se tornar artista. Por intermédio de um cantor muito popular da época que ela havia conhecido, o Dudu França, ela conseguiu um teste na Polygram, a principal gravadora de então. O teste consistia em cantar alguma coisa para um diretor musical do selo, num dia qualquer da semana seguinte. Ela me perguntou se eu toparia acompanhá-la no teste tocando violão. Eu respondi que iria. Ela completou dizendo que no teste queria cantar uma música minha, uma das que ela mais gostava, chamada “Entre sol e lua”. Mesmo sem ter exata noção do que aquilo significava ou poderia significar, eu curti muito aquela ideia. A moça era lourinha, bem bonitinha, bem bacaninha e até bem gostosinha, porém, eu bem sabia, ela não cantava era nada. Então, nos pusemos a ensaiar quase todos os dias.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Um passo além da tristeza



Muita gente acredita que todos temos alguma missão a cumprir por aqui. Gosto de acreditar também. Isso tem um pouco a ver com o conceito de destino, mas não o destino no sentido etéreo, e sim aquele que construimos e fazemos acontecer. Mas e os animais domésticos que se tornam nossos "bichos de estimação"? Será que eles também têm uma missão a cumprir? Vejamos, eles nos fazem companhia, alegram lares, protegem, divertem crianças, acalentam idosos e enfermos, melhoram a vida de pessoas depressivas, amam com uma sinceridade rara nos humanos, entre outras virtudes. Desde ontem, tenho ouvido amigos dizerem que o Preju tinha uma missão e que ela se encerrou, por isso ele partiu. É uma teoria meio louca, mas por que não? Uma coisa é certa, do momento em que ele apareceu no quintal de casa até hoje, vários cães e gatos abandonados cruzaram nosso caminho, meu e da Ariane, e fizemos o que foi possível para ajudá-los, inclusive adotamos alguns. Antes, isso não acontecia, ou melhor, não víamos acontecer. O Preju nos deu olhos para esse problema. Se essa era a missão dele, ela foi cumprida com louvor, e somos muito gratos a ele por isso. Não cura a perda, mas diminui a dor. A propósito, assista ao contundente vídeo acima. É de uma campanha contra o abandono de animais. A analogia não poderia ser mais perfeita.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Uma tristeza imensa



Quem diria, Preju? Quem diria que aquele filhotinho que brincava com os ramos do pinheiro do meu quintal, naquela manhã de quase 9 anos atrás, iria se tornar meu grande companheiro? Quem diria que seu nome, inventado num momento “engraçadão” meu, ajudaria a compor em você um carisma tão grande e único? Quem diria que você não apenas me ensinaria que adotar bichos é um grande barato, como também ensinaria a todas as pessoas que o conheceram, mesmo as mais reticentes e preconceituosas, que gatos são, sim, animais fantásticos?

Quem diria, Preju? Quem diria que um dia você pularia no quintal do vizinho para dar uma lição em três cães que, uma semana antes, tinham machucado a Juma, a gatinha estressada paulistana, sua grande paixão felina desde o primeiro dia em que a trouxemos para te fazer companhia? Quem diria que você cresceria tanto a ponto de causar espanto a todos pelo seu tamanho? Quem diria que se tornaria um bicho tão bonito e confiante, absolutamente seguro do amor que tínhamos e sempre teremos por você?

Quem diria, Preju, que você viria a ser o bicho mais amado e querido do mundo, entre tantos que são tão amados e queridos pelo mundo afora? Quem diria que você colaboraria indiretamente para que eu e a Ariane passássemos a dividir o mesmo teto? E que seria diretamente responsável pela existência em nossas vidas dos gatos Juma, Gigi, Felini, Rajah e Pagu, e dos cães Guapo, Gaia, Polaco e Alma?

Quem diria, Jeju, que você ia encher nosso sobrado e depois nossa chácara de tanto pelo e carinho? Que agarraria meu braço nos momentos de “tô doidão” e me faria rir, mesmo me deixando todo arranhado? Quem diria que você seria o primeiro e único bicho a assinar um artigo no site do Clube de Criação do Paraná? (http://www.ccpr.org.br/interna.php?pagina=pontovirgula&tpg=2&id=158)

Quem diria que o simples pensamento em você e no seu amor verdadeiro me ajudaria, como muitas vezes me ajudou, a enfrentar alguns dos momentos mais difíceis por que passei nesses últimos anos?

Quem diria que um gato seria tão especial a ponto de fazer um hospital veterinário inteiro torcer por ele? A ponto de uma veterinária experiente chorar ao telefone?

Quem diria, Jeju, que o amor seria tanto e o tempo tão pouco?

Quem diria que a tristeza que sinto hoje seria assim tão imensa? E que a felicidade por ter convivido com você nesses quase 9 anos seria ainda maior que qualquer tristeza da vida, mesmo essa tão imensa que sinto hoje?

Vai em paz, meu lindo. Vai, que quando chegar a minha vez, eu que nunca morri de amores pelo fim de nada, vou conseguir embarcar com mais tranqüilidade, porque sei que irei pro mesmo lugar em que você está agora. Porque sei que vou encontrar o mesmo gato dorminhoco, brincalhão, bonachão, charmoso, “gente boa”, mimado, feliz e, acima de tudo, o grande companheiro que você sempre foi - e sempre será - pra mim.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Intervalo - Boca Livre


Em 1979, o grupo Boca Livre quebrou um paradigma na indústria fonográfica nacional. Resolveu driblar os contratos rígidos que as gravadoras impunham aos seus artistas e lançou seu LP de estréia em uma produção independente. O disco estourou em vendas e emplacou praticamente todas as faixas nas paradas de sucesso do país inteiro. Dias antes do lançamento li na Folha o artigo de um crítico chamando a atenção para a qualidade do trabalho deles, inclusive para o fato da distribuição ser irregular, por não estarem dispondo da estrutura comercial de uma gravadora. Então, corri encomendar um álbum pra mim na loja de discos mais próxima do meu trabalho. 



Uma das 10 músicas brasileiras mais tocadas no ano de 1980 foi a singela "Toada", de Zé Renato, Claudio Nucci e Juca. Foi executada tão exaustivamente que confesso que hoje não tenho muita paciência pra ouví-la. Mas esse vídeo da época com Mauricio Maestro, Zé Renato, Cláudio Nucci e David Tygel, a primeira formação do grupo, vale muito a visita.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Se for cantar, não beba



"Rabo-de-galo" é a tradução literal de “cocktail”, termo em inglês há tempos aportuguesado para "coquetel", e que define uma mistura de bebidas que geralmente envolve uma de sabor mais seco e outra mais adocicada. Aprendi com meu pai a gostar de um bom rabo-de-galo, esse típico drinque dos bares de periferia que leva cachaça e vermute. Na versão paulistana, ao invés de vermute se usa Cynar, uma aguardente composta, feita à base de alcachofra. Pegue uma dose de uma cachaça de qualidade e misture a ela uma mesma parte de Cynar. Se quiser, acrescente uma pedra de gelo. Simples assim. Mas pare na terceira dose, no máximo. Ou você se arrependerá amargamente.

Semanas antes do festival que ganhamos com a música “Hino aos trabalhadores”, nos inscrevemos para participar de um concurso musical diferente. Diante da profusão de festivais de colégio, em que os candidatos inscreviam músicas próprias e inéditas, aquele era uma espécie de karaokê. Os inscritos deveriam defender músicas conhecidas, desde que fossem músicas brasileiras.  Landinho, nosso violonista e compositor oficial, portanto, o líder natural do “Sangue Novo”, estudava no colégio promotor do festival. Depois de algumas reuniões em que a música dos mineiros do "Clube da Esquina" predominaram, decidimos nos inscrever naquele festival para interpretar “Cio da terra”, a belíssima canção composta por dois gênios da raça: Milton Nascimento e Chico Buarque. Feita nos moldes das chamadas “músicas de trabalho”, a melodia sendo repetida em todos os versos, “Cio da terra” fez parte de um compacto-simples lançado por ocasião de um show comemorativo ao Dia do Trabalho, em 1977. Estávamos confiantes da nossa escolha e tínhamos certeza de que entraríamos no festival para ganhar. Tal condição foi reforçada na audição eliminatória. Não havia público, todos cantaram reservadamente para os jurados, uma semana antes da final. Fomos classificados com louvor, tidos quase como imbatíveis pela organização do negócio. No sábado seguinte, entretanto, tudo ia mudar. Do vinho para a água. Ou pior que isso.



No ano anterior, 1979, o Festival de MPB da TV Tupi havia revelado um compositor e cantor bastante original: Oswaldo Montenegro. Seu vozeirão grave de bons recursos, suas interpretações dramáticas, além de composições personalíssimas, fizeram com que o brasiliense tivesse uma carreira meteórica, tanto no seu surgimento quanto na sua saída do circuito. Eu e meu irmão gostávamos muito de cantar as músicas do cara. E mandávamos bem, embora elas não fossem exatamente fáceis. Foi principalmente por esse motivo que conseguimos assumir como vocalistas do “Sangue Novo”.


Seria a primeira vez que eu, o Joel e o Dario, subiríamos em um palco diante de um público. Estávamos quase apavorados. Imagine se a gente acordasse rouco no sábado que vem. Nem pensar, isso não poderia acontecer de jeito nenhum. Então, embora incensados na eliminatória, saímos dali e fomos direto para uma farmácia. Pedimos ao atendente que nos desse uma pastilha contra a rouquidão. Aproveitando-se o fato de estar atendendo um bando de garotos que não tinham a menor noção do que estavam fazendo, o atendente nos vendeu a pastilha mais cara que tinha, um antibiótico. Consumimos aquelas pastilhas religiosamente, duas por dia, pela semana toda. Bingo! No sábado acordamos roucos de dar dó, os três. Mas o pior não foi isso. O pior foi algum de nós ter tido a idéia de pararmos num boteco antes de chegar no colégio.



Tirando as composições do Landinho e do Alexandre, nosso repertório era quase todo composto pelas músicas dos mineiros do "Clube da Esquina". Eles misturavam a sonoridade das festas religiosas de Minas Gerais com timbres interioranos e, para arrematar, um belo toque de Beatles. Eram todos amigos de frequentar a casa uns dos outros, e tinham no já consagrado Milton Nascimento uma espécie de guia, de mentor. Mas quem realmente lançou luz sobre o trabalho deles foi Elis Regina, ao gravar as músicas daquela turma, especialmente dos irmãos Borges, Márcio e Lô. Como disse uma vez Elis, eles faziam "músicas solares".

Meio da tarde de um sábado, meia dúzia de guris carregando pelas ruas vários instrumentos musicais e um saco de ansiedade. E se a gente tomasse alguma coisa pra relaxar? Claro, só uma, pra dar uma acalmada, não vai fazer mal a ninguém. Encostamos o umbigo num pé-sujo qualquer. Não sei quantos rabos-de-galo bebemos e bebi. O fato é que saímos de lá balão. Chegamos à final do festival trançando as pernas. Não deu outra, quando anunciaram os favoritos da noite, subimos ao palco chamando Jesus de Genésio. Foi um tremendo fiasco. Eu me sentia o próprio Mick Jagger. Peguei o microfone e apresentei um a um do grupo. Depois, falei uma bobagem qualquer contra a ditadura e começamos nossa apresentação. Depois de uma introdução acústica, o Alexandre soltava o bandolim e pegava o baixo elétrico. Assim que ele começou a tocar o baixo, cismei de caminhar no palco e pum!, tropecei no cabo, desligando o instrumento e interrompendo nossa apresentação. Recomeçamos em seguida, mas essa presepada e a desafinação dos três vocalistas, que nunca tinham cantado num microfone de verdade, e por isso achavam que tinham que gritar para serem ouvidos, foram mais do que suficiente para justificar as vaias. Nossa amiga Maria estava lá na platéia, compondo nossa pequena e envergonhada torcida, e tinha levado uma amiga de nome Fátima, uma garota interessante e meio bicho-grilo, de longos cabelos dourados. Depois do fiasco, a Fátima veio me dizer que eu tinha luz própria. Pronto. Foi o suficiente pra eu me reanimar e sugerir que voltássemos ao pé-sujo para terminar o que tínhamos começado. E lá fomos nós, rindo um da cara do outro.




segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O "hino do PT" - final


Quase dois anos antes, eu tinha tido um breve contato pessoal com o Lula, o Lula presidente do Sindicado dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, em São Paulo. Ele estava no auge de sua carreira como líder sindical, liderança que, aliás, levou-o à prisão nesse mesmo 1980. Nesse contexto, fui assistir à peça “Braços cruzados, máquinas paradas”, escrita e encenada por algumas das irmãs e irmãos da Inês de Castro, a jornalista que tinha me levado ao show da Elis. O enredo da peça era justamente um retrato sem retoques da repressão sofrida pela classe trabalhadora, que começava a se organizar politicamente. Era uma montagem tensa, pesada, porém esperançosa. A ditadura começava a dar mostras de enfraquecimento. Naquela noite, Lula estava na platéia, e no final do espetáculo tomou parte de uma pequena roda de pessoas, onde estavam os atores, diretores e autores da peça. Eu também estava ali. Lula, que naquela época jamais poderia sequer sonhar com o que o destino reservava a ele, era a presença mais festejada. Entre coisas que não me lembro, ele se saiu com uma frase que deu muita alegria para o pessoal da produção: “olha, vou dizer pra vocês que eu não gosto de teatro... não gosto e não vou... mas gostei desse negócio aqui, viu, gostei demais... a coisa acontece desse jeito mesmo que vocês mostraram”.

O sujeito que nos chamou para o canto era representante do nascente PT, o Partido dos Trabalhadores. Alguém tinha visto a gente se apresentar na semifinal e dito a ele que deveria estar lá para nos conhecer, e ele foi. O PT estava sendo criado a partir de lideranças sindicais, oriundos em sua grande maioria dos maiores sindicatos de São Paulo. Contava também com a presença de intelectuais de esquerda, de lideranças católicas ligadas à Teologia da Libertação e com a simpatia de políticos do antigo MDB, como Ulisses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso e Franco Montoro. Para conseguir a filiação de populares,  pequenos showmícios eram improvisados na periferia de São Paulo. Sobre caçambas de caminhão, ou mesmo o teto de uma Kombi, líderes da comunidade local e futuros integrantes do PT discursavam para arregimentar pessoas, que tinham apenas que preencher uma ficha ali mesmo para formalizar a filiação. Enquanto isso, sobre uma mesa desmontável vendia-se camisetas, broches no formato da estrela vermelha, bonés, diversos souvenires que já haviam se tornado febre, especialmente entre os estudantes. Valia tudo para levantar fundos para a nova legenda. Entre um discurso e outro, chamavam ao palco uma atração musical. O "Sangue Novo" era uma dessas atrações. "Agora, com vocês, os meninos que fizeram o Hino do PT!”, era como costumavam nos anunciar. E lá íamos nós com os macacões de frentista, as marmitas, os violões e as três vozes cantar em uníssono “Levantando de manhã / lavo o rosto pra acordar / vou catando minha marmita / pra ir logo trabalhar / pego um bus tão apertado / que nem dá pra se mexer / vou passando espremidinho / dá licença, eu vou descer / nós somos trabalhadores e cada dia trabalhamos sempre mais...”.


Nesse tempo em que trabalhei ao lado do Edifício Copan, uma figura com quem topei com muita frequência pelas ruas foi Plínio Marcos. A região era próxima ao Teatro Oficina e ao lendário Teatro de Arena, um dos principais palcos de resistência da classe artística contra o regime militar. Plínio estava sempre a bordo de um chinelão de couro, e tinha uma barriga que chegava cinco minutos antes. Ele oferecia seus famosos livrinhos, editados de forma independente. Comprei vários deles, que o dramaturgo autografava satisfeito, dizendo sempre a mesma frase: "prometo morrer logo pra valorizar o livro".

Foi assim que, involuntariamente, ajudei a criar o primeiro e extra-oficial Hino do PT. Na verdade, o "Hino aos Trabalhadores" nunca foi um hino de fato do PT, nem sequer extra-oficialmente. Mas naqueles pequenos e paupérrimos showmícios, realizados geralmente nas tardes de sábado, era assim que a música era apresentada e bem recebida. Mesmo tendo participado dessa história, nunca me filiei ao PT. Durante muitos anos ostentei a estrela vermelha na lapela, o que foi uma consequência natural para quem cresceu sonhando com um país diferente daquele que conhecera desde criança. Um país onde o regime político vigente fosse o democrático, a liberdade de expressão fosse um direito inquestionável, as opiniões políticas fossem respeitadas, as condições de vida e trabalho das pessoas mais humildes fossem melhores do que eram. Pelos anos seguintes, a política esteve sempre muito próxima de mim, principalmente quando entrei na universidade, em 1981.



O regime militar dava mostras de estar vivendo seu epílogo. A lei de anistia havia sido assinada em junho de 1979, fazendo com que os exilados recuperassem seus direitos políticos e começassem a voltar ao país. Mesmo assim, ainda havia algumas batalhas a serem vencidas. A principal delas estava ainda distante: a restituição de eleições diretas em todos os níveis. A verdade é que os militares perdiam cada vez mais prestígio, até diante da parcela da opinião pública que os havia apoiado nos primeiros anos do golpe de 1964. Os intelectuais, os estudantes e a classe trabalhadora organizada não estavam mais dispostos a viver amordaçados. O povo brasileiro começava finalmente a sair às ruas para reivindicar um novo Brasil. Esse clima de mudança, é claro, aparecia em muitas das músicas da época. Uma das mais representativas foi "Novo tempo", de Ivan Lins e Vitor Martins.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Intervalo - Rio 2016



"Samba do avião" (Tom Jobim), com Tom, Miúcha e Toquinho. Show realizado em Milão, em 1978.