sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O primeiro show - parte 1

O bairro de Santana, em São Paulo. À direita, vista pela lateral, a Paróquia Sant'Ana, vizinha ao meu primeiro emprego. Logo abaixo da igreja, uma escola muito tradicional do bairro, cujo nome não lembro. Ao centro, a Estação Santana do Metrô, sobre a avenida Cruzeiro do Sul. Foto sem crédito

Poucos meses depois que completei 14 anos quis trabalhar. Naquela época, a idade mínima para ser contratado formalmente era essa. Queria ajudar no orçamento da família, por isso a ideia de começar a trabalhar me pareceu tão natural quanto passar a estudar à noite. Um anúncio de jornal que vi num domingo me levou na manhã da segunda-feira à redação de um dos mais tradicionais jornais de bairro de São Paulo, "A Gazeta da Zona Norte". “Precisa-se de Office-boy”, dizia o anúncio. Nas empresas, o "boy" era quem fazia os serviços de rua, muitas das coisas que hoje os motoboys fazem. Preenchi uma ficha e escrevi uma redação dizendo por que queria trabalhar ali. Era o mais novo dos 9 candidatos à vaga, e o mais caipira de todos. A sede do jornal ficava no bairro de Santana, distante uns 30 minutos de ônibus de onde eu morava. Era o bairro mais movimentado da Zona Norte paulistana, com um comércio importante, agências bancárias e até uma estação de Metrô, a Estação Santana da linha Norte-Sul, que havia sido entregue à cidade três anos antes. Eu achava aquilo quase outro mundo. Gente por todo lado, ônibus pra todo lado, congestionamentos, lojas enormes, poluição sonora, uma verdadeira Babel pra um guri que saía muito pouco da sua região.



Comecei no primeiro dia útil de 1978. Na "Gazetinha" trabalhavam quatro jornalistas em dois turnos. Um deles, e que na verdade entrou depois de mim, era a Inês de Castro, por quem me afeiçoei logo e muito naturalmente. Filha de Eurípedes de Castro, político já falecido e que teve considerável importância na sua época, Inês era uma entre muitos filhos. Se não me engano, eram nove irmãos ao todo, a grande maioria composta por mulheres. Os Castro eram uma família muito diferente das que eu havia conhecido até então. Eram todos artistas, profissionais ou amadores. Cantavam, dançavam, compunham, atuavam no teatro adulto e infantil. De cara, a Inês se impressionou com o meu apetite por música brasileira. Naquela altura, eu já era um iniciado na MPB. Sabia cantar muitas músicas novas e antigas, e tinha até um repertório razoavelmente sofisticado para um garoto da minha idade. Ela se impressionou especialmente com a facilidade que eu tinha para decorar letras, por mais rebuscadas que fossem. Observava como eu acompanhava a música atentamente pelo rádio de pilha sobre minha mesa e dizia, por detrás de seus óculos: “Não acredito, essa música saiu anteontem e você já sabe cantar?”. Ela e referia a "Geni e o Zepelim", do Chico, que havia sido lançada naquela mesma semana, e cuja letra quilométrica eu decorei em três ou quatro escutadas. Um dia, ela chegou pra mim toda feliz: “Na sexta-feira vou te levar no show da Elis Regina. Pode falar pros seus pais que depois te deixo na sua casa. Já tenho os ingressos, é um presente meu, acho que você vai gostar”. Eu nunca tinha ido a um show. Dois anos antes tinha visto a Inezita Barroso se apresentar no pátio da minha escola, nas comemorações do Mês do Folclore, e só.


A paulistana Inezita Barroso, cantora, atriz e há quase 30 anos apresentadora do programa “Viola, minha viola” na TV Cultura de São Paulo, conquistou fama com seu vozeirão ao gravar grandes clássicos da música caipira. Professora de folclore em duas faculdades, interessou-se desde cedo pelo gênero musical que retrata o modo de vida da gente do interior. Seu maior sucesso, a moda de viola “Moda da Pinga”, de Ochelsis Laureano e Raul Torres, possui uma das letras mais engraçadas e politicamente incorretas da música brasileira. O curioso é que o manguaceiro retratado na canção não é um homem, como era de se esperar, mas sim uma mulher. A animação deste vídeo é medonha de tosca, talvez por isso mesmo tenha lá sua graça. 

Não lembro exatamente o que eu disse pra Inês naquele momento, se é que consegui dizer algo além de um "puxa, muito obrigado!", mas dei um abraço nela e a considerei a pessoa mais incrível do mundo. Um teatro de verdade, um show de verdade, e daquela que já era considerada por muitos a melhor cantora do país. Elis Regina, aqui vou eu! (continua)

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Dancin' days

Estávamos em 1977. Quem tinha menos de 18 anos (ou até mais que isso) e era de alguma forma afetado pela cultura pop (e quem não era?), certamente entrou nessa dança. Literalmente. A disco music, que já existia como gênero desde o início dos anos 1970 e trazia ingredientes do funk, do soul e de alguns ritmos caribenhos, ganhava um impulso de massa que faria a coisa virar febre mundial. Estreava nas telas de todo mundo o longa-metragem “Saturday Night Fever”, aqui traduzido para “Embalos de Sábado à Noite”. Dirigido por John Badham, o filme tinha dois trunfos que explicaram boa parte do seu estrondoso sucesso: a música dos Bee Gees e o carisma do quase estreante ator John Travolta, que deu vida e corpo a Tony Manero, um vendedor de tintas que, como muitos dos seus amigos igualmente jovens e pobres, via nas pistas de dança sua única chance de ser alguém.



Pronto, o gênero musical que aqui foi chamado de “discoteca”, em alusão às boates e clubes noturnos onde se tocava tal música, passou a arrastar multidões em torno do ritmo e das melodias contagiantes, de coreografias pré-ensaiadas, de luzes que não paravam de piscar e de muita potência de som. Com14 anos de idade, e criado num ambiente em que a cultura popular reinava, eu, claro, fui junto. Depois de assistir ao filme por duas ou três vezes no cinema, disputando lugar até no chão, tamanha a quantidade de gente que lotava todas as sessões, passei a freqüentar as “domingueiras”. Em quase todas as tardes de domingo íamos ao salão da Associação Atlética Ponte Pequena (acho que era esse o nome), na Zona norte de São Paulo, eu, meu irmão Dario, quase dois anos mais velho, e alguns amigos e amigas da escola e do bairro. Apesar de gostar daquela música, de me sentir também parte daquela febre, eu ficava meio deslocado. Além de ser o caçula da turma, eu nunca fui muito bom numa pista de dança. Já meu irmão barbarizava, era o próprio Tony Manero, reproduzindo com perfeição quase todos os passos que John Travolta fazia no filme, inclusive nas danças em par.



O sucesso do filme foi tanto que no ano seguinte a TV Globo produziu a novela Dancin' Days, com Sonia Braga no papel de Júlia, uma ex-presidiária que dá a volta por cima justamente ao esbanjar sensualidade e beleza nas pistas de uma discoteca. A chamada “Era Disco” extrapolou a música e ajudou também a criar um estilo de vida, uma forma mais imediatista de encarar as coisas, além de ter ditado moda. Havia os sapatos plataforma, as calças boca-de-sino (que faziam nossos pés parecerem verdadeiros badalos e nossas canelas verdadeiras patas de elefante) e camisas com golas enormes e estampas impensáveis até então. Quem tem mais de 40 anos de idade, ainda hoje não resiste a chacoalhar o esqueleto ao som daquelas músicas. Os DJs sabem bem disso quando precisam agitar alguma festa de casamento, de formatura ou coisa parecida. Basta colocar algo dos Bee Gees, da Donna Summer, do Village People, da Gloria Gaynor ou das Frenéticas pra rodar que a pista será invadida por quarentões saudosos do tempo em que dançavam para soltar suas feras, esquecer suas frustrações, mandar tudo que fosse ruim para uma outra dimensão, nem que fosse por apenas algumas poucas horas.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Cale-se

Na foto sem crédito, da esquerda para a direita, Leila Diniz, Eva Wilma, Odete Lara, Norma Bengel e Ruth Escobar. (na identificação das mulheres, tive a colaboração de Liz Kasper)

Preciso segurar um tantinho mais o calendário, para resgatar um evento que vai originar uma boa história que aconteceu comigo anos depois, e que ainda irei relatar aqui. Quero falar de uma música que praticamente me apresentou ao "mundo adulto", mais precisamente à complicada situação política e social que o Brasil vivia na época em que eu ainda perdia roupas por mudar de tamanho. Provavelmente, “Cálice” foi a primeira letra de música “de gente grande” que aprendi e aprendi num tiro, em três ou quatro ouvidas. Claro que, de início, entendi apenas uma pequena parte das metáforas e artimanhas poéticas que Chico Buarque e Gilberto Gil engendraram naquela letra, nascida no sábado seguinte à Sexta-feira Santa de 1973. Aliás, só fui aprender a cantar a música em 1978. Por obra da censura militar, o Brasil demorou ansiosos 5 anos para conhecer esta belíssima letra.
VETADO, por ter o autor empregado palavras comuns ao linguajar da Bolsa de Valores, mas que não se adaptam à uma mulher principalmente em letra de música popular. O autor parece estar de uns tempos para cá muito “preocupado” em denegrir a reputação de todas das mulheres, vide uma de suas últimas composições – “Minha História”, que relata a vida de um homem filho de uma prostituta. Em 21/7/71" (sic). Assim se justifica o censor ao barrar mais uma música de Chico Buarque.

Chico deu o pontapé inicial: a frase “Pai, afasta de mim esse cálice”, tirada da passagem bíblica em que Jesus teria derramado lágrimas de sangue às vésperas de sua paixão, já vinha com o duplo sentido necessário. Os militares ainda governavam o Brasil com mão de ferro. Nos subterrâneos dos quartéis, o vinho tinto de sangue seguia manchando as páginas da nossa história. Na imprensa e na vida política e cultural do país, a mordaça da censura provocava um silêncio ensurdecedor. Chico e Gil escreveram a letra a quatro mãos especialmente para o show Phono 73, que a gravadora Phonogram (ex Philips, e depois Polygram) organizaria no Anhembi, em São Paulo, logo no mês seguinte. O show seria um encontro em duplas dos maiores nomes do elenco da gravadora.



Apresentada antes à censura, “Cálice” foi vetada. O recado veio na forma de uma “recomendação” para que Gil e Chico não a cantassem no show. No entanto, eles decidiram promover uma espécie de desobediência civil e começaram a apresentar a inédita “Cálice” para uma plateia que, àquela altura, já esperava avidamente para conhecer a nova composição. Eles não cantaram a letra. Puseram-se a inventar palavras, inventar idiomas, comer frases, vocalizar partes da melodia. Até que o som do microfone do Chico foi cortado. Ora o microfone era desligado, ora o retorno sumia, deixando o cantor sem saber se estava ou não sendo ouvido. Esse fato acabou criando uma verdadeira lenda em torno de “Cálice”. Mesmo eu, que mal começava a entender o que era o regime militar e o que significava censura, era um dos brasileiros impactados por aquele fato e que não viam a hora de escutar na íntegra a música que por anos pairou como uma sombra sobre a massa crítica do país.



Quando "Cálice" foi finalmente liberada, Chico ficou um pouco reticente em gravá-la, pois se encontrava em outro momento artístico, compondo para o musical "Ópera do Malandro". Mas era importante, ele sabia, registrar essa que talvez tenha sido a música que mais claramente disse não à censura. Gilberto Gil, que na época tinha acabado de sair da Polygram, não participou da gravação. A parte que lhe coube na letra foi cantada por Milton Nascimento. A censura só seria abolida no Brasil em 1988.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Vamos dançar?

A partir do momento em que ultrapassei a primeira década de vida, e até alguns anos depois, meu interesse por música foi alternando entre a MPB e o pop internacional. O rock não me pegou. Os Beatles, banda que talvez tenha sido a responsável pela transição do rock básico e simples para um outro de som e temática mais complexos, já não existiam mais como grupo. O rock entrava na sua maioridade, perdera o ar ingênuo dos anos 1960, incorporara novos equipamentos, teclados com recursos mais sofisticados, sons de orquestra e músicos virtuoses. Eu praticamente passei batido por tudo isso.





Em 1967, o jovem inglês Bernie Taupin foi contatado por Ray Williams, da Liberty Records. Ele e o também jovem Reg Dwight haviam respondido ao mesmo anúncio da gravadora, que procurava jovens talentos. Bernie mandou algumas de suas poesias, e o pianista Reg, algumas de suas melodias. Ray Williams resolveu juntar o letrista que precisava de um músico ao músico que precisava de um letrista. Foi uma questão de tempo para que as canções da dupla, interpretadas por Elton John (na verdade, pseudônimo de Reg Dwight) começassem a fazer sucesso no mundo inteiro.

Credito meu desinteresse pelo rock à minha preferência por músicas essencialmente “melodiosas”. Outro fator foi meu total desconhecimento da língua inglesa. Quando fiz o antigo ginásio (hoje ensino médio), o currículo das escolas incluía aulas de francês. O Brasil ainda vivia os últimos ecos de uma época em que a cultura europeia foi mais presente no nosso cotidiano do que a americana, por isso ainda se lecionava o francês nas escolas públicas. Tive dois anos de francês e dois de inglês. Claro, foi o básico do básico do básico, e para nada aquilo serviu. Frequentar escolas particulares de inglês era algo impensável para mim e para a grande maioria dos meus amigos da mesma idade. Então, para quem preferia a melodia e começava a prestar atenção nas letras, era até natural que o rock passasse batido, como passou. Meu próprio temperamento à época, bastante reservado e tímido, me aproximava de sons mais calmos, intimistas, introspectivos.




Proibido para diabéticos: ainda no "Jackson Five", Michael canta a pra lá de açucarada "One day in your life"

Por razões melódicas, eu abria uma enorme exceção na falta de entendimento das letras em inglês para as músicas pop, ou mesmo para o chamado "rock romântico". Naqueles anos, as rádios bombardeavam sucessos de músicos internacionais de grande talento e apelo comercial, cujos chamados “hits” aqui viravam temas de novelas, faixas em LPs de intermináveis coletâneas e pedidos infalíveis nos bailinhos de garagem. Aliás, as sequencias que emendavam 4 ou 5 "lentas", momento em que o rapaz "tirava" uma moça pra dançarem os dois colados, mas colados mesmo, acabaram sendo responsáveis pela alcunha pouco lisonjeira com que essas canções ficaram conhecidas: a de músicas “mela-cueca”.


Gosto de ouvir músicas em alto e bom som. Quando dá, lógico. Esta, cantada pela americana Maggie McNeal, que estourou por aqui em 1976, eu costumava ouvir lá nas alturas. Gostava muito da voz, muitíssimo da melodia, e adorava as intervenções da bateria, quebrando o mingau melódico com porradas que hoje me soam espetaculosas demais. E confesso que nunca tinha visto a cara da moça.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Clara dá o primeiro samba

Clara Nunes em foto sem crédito

Era mineira, era linda e cantava divinamente. Clara Nunes nasceu no dia 12 de agosto de 1943. Portanto, se Deus não precisasse levá-la tão cedo pra enfeitar as rodas de samba por lá, faria hoje 66 anos de idade. Para quem não sabe, ela morreu em 1983, vítima de complicações de uma cirurgia que deveria ter sido simples. Em 1973 (parece que os anos 3 são recorrentes nessa história; eu que nasci em 1963, claro que não tenho nada com isso, mas vale a citação), gravou o LP Alvorecer, que tinha como uma das faixas a belíssima "Conto de areia". Esse samba estourou nas rádio de um jeito que não havia santo dia em que não se ouvisse a voz da Clara cantando "O mar serenou quando ela pisou na areia...". Era o primeiro grande sucesso nacional da cantora. Daí por diante, e durante muito tempo, não haveria uma festa ou reunião de amigos na mesa de um bar em que alguém não puxasse esse samba pra cantar. O disco vendeu 300 mil cópias, marca muito expressiva para a época. Aliás, Clara Nunes foi a primeira cantora brasileira a vender mais de 100 mil cópias de um disco. As portas estavam definitivamente abertas para a "Sabiá", e ela brilhou sempre intensamente.
Tenho pra mim que "Conto de areia" foi o primeiro samba que aprendi a ouvir e cantar. Lembro que ficava atento à condução da letra, percebia a narrativa como algo novo, diferente, era a primeira música que parecia querer contar uma história para mim. Acredito que isso acontecia porque foi naquele tempo que comecei a tentar entender os versos das músicas. Tentava, porque no caso desta levei um tempão pra descobrir que a frase "Era um peito só cheio de promessa..." era assim e não "Era um 'peixe' só cheio de promessa...", como eu entendia e cantava. A temática da canção me induziu ao erro, por anos. E quando chegava a hora do "Quem foi que mandou o seu amor se fazer de canoeiro...", parecia que começava uma outra música. Eu tinha a nítida sensação de que se tratava de dois lindos sambas emendados. Claro que isso era coisa da minha cabeça, mas vai que.



"Conto de areia"
Romildo S. Bastos e Toninho Nascimento

É água no mar, é maré cheia, ô
Mareia, ô, mareia

Contam que toda tristeza
Que tem na Bahia
Nasceu de uns olhos morenos
Molhados de mar.
Não sei se é conto de areia
Ou se é fantasia
Que a luz da candeia alumia
Pra gente contar

Um dia a morena enfeitada
De rosas e rendas
Abriu seu sorriso de moça
E pediu pra dançar
A noite emprestou as estrelas
Bordadas de prata
E as águas de Amaralina
Eram gotas de luar

Era um peito só
Cheio de promessa, era só
Era um peito só cheio de promessa

Quem foi que mandou
O seu amor
Se fazer de canoeiro
O vento que rola das palmas
Arrasta o veleiro
E leva pro meio das águas de Iemanjá
E o mestre valente vagueia
Olhando pra areia sem poder chegar

Adeus, amor
Adeus, meu amor
Não me espera
Porque eu já vou embora
Pro reino que esconde os tesouros
De minha senhora
Desfia colares de conchas
Pra vida passar
E deixa de olhar pros veleiros
Adeus, meu amor, eu não vou mais voltar

Foi beira-mar, foi beira-mar quem chamou
Foi beira-mar ê, foi beira-mar

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Uma vila mágica

Na foto sem crédito, Sônia Braga e o ranzinza Gugu, integrantes da querida Vila Sésamo, a vila operária que conquistou um lugar de honra na memória de toda uma geração

Antes de deixar para trás a fase das primeiras músicas, aquelas que ouvia na infância e na adolescência, pego um rápido retorno para falar um pouco sobre o que não pode ficar só na saudade: os programas infantis. Desde que a TV passou a ocupar lugar de destaque nas salas de praticamente todos os lares brasileiros, programas produzidos para crianças, de caráter educativo ou puramente de entretenimento, passaram a ir ao ar com regularidade. Um dos pioneiros, o Vila Sésamo, na verdade uma versão brasileira de uma série norte-americana, foi exibido, em seu primeiro ano, na TV Cultura. Nessa época, a TV Globo não tinha estúdio para gravação, daí o programa, em seu início, ter sido co-produzido pelas duas emissoras. A partir de 1974, a Globo assumiria sozinha a “segunda fase”, que era transmitida duas vezes por dia, de manhã e à tarde. Eu quase já não era mais uma criança, tinha entre 10 e 11 anos de idade, mesmo assim acompanhava todos os episódios e adorava tudo, inclusive as músicas, fossem as que tinham conteúdo claramente didático, fossem as que eram dedicadas aos bonecos, cada qual com sua personalidade, cada qual com seu encanto.



As duas gerações de crianças seguintes à minha também tiveram e ainda têm seus programas infantis recheados de músicas, sendo que muitas delas acabaram se tornando sucesso, vendendo discos e mais discos. Especialmente no caso de uma certa apresentadora loira, xabe qual? Mas acredito que dificilmente um outro programa do gênero conseguirá a façanha de reunir novamente tantos talentos, por trás e à frente das câmeras, como foi o caso da primeira versão do Vila Sésamo. Contar no elenco com uma Sônia Braga estreando na TV, o fantástico Milton Gonçaves, o genial Paulo José, enfim, dê uma olhada na ficha técnica da produção. Ela explica tudo.

Coordenação: Wilson Aguiar
Direção de cena: Milton Gonçalves
Produção: Jayme Leite e Godoy Camargo
Criação dos bonecos: Naum Alves de Souza
Músicas: Marcos e Paulo Sergio Valle

Elenco:
Armando Bógus (Juca)
Aracy Balabanian (Gabriela)
Sônia Braga (Ana Maria)
Flávio Galvão (Antônio)
Laaerte Morrone (Garibaldo)
Paulo José (Mágico)
Flávio Migliácio (Edifício)
Manuel Inocêncio (Seu Almeida)
Milton Gonçalves (Professor Leão)
Ayres Pinto (Cuca)
Luiz Antonio Angelucci (Bruno)
Marcos Miranda (Funga-Funga)

Manipulação dos bonecos:
Roberto Orozco (Gugu)
Teresa Cristina (Pipoca)
Elany Del Vechio (Jujuba)
Sônia Guedes (Marocas)
Antônio Petrin (Marinheiro)
Henrique Lisboa (Sabichão)
Aziz Bajur (Bidu)

Não sei você, mas me emocionei vendo este vídeo. O Garibaldo era, disparado, o mais querido personagem da Vila. Era feito pelo inesquecível ator Laerte Morrone, que nos deixou em 2005, aos 72 anos de idade.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Um disco pra chamar de meu

A ventania! Olha a ventania!!”, gritava a minha tia Ilda. E partiam as duas aflitas pro quintal, ela e a filha Regina, correndo recolher do varal todas as roupas, mesmo as que ainda estavam úmidas. Ia chover, e chover forte. Mas não era isso que eu entendia daquela cena. Para mim, um pirralho ainda em fraldas, “ventania” era o nome de uma bruxa má que andava pelas ruas carregando uma enorme e pesada sacola. Sua imensa maldade consistia em roubar dos varais das casas as roupas estendidas (na foto sem crédito, a atriz americana Agnes Moorehead, caracterizada como a bruxa Endora da série de TV "A Feiticeira", produzida entre 1966 e 1972)

O ano era 1976. Naquele exato dia eu estava completando 13 anos de idade. Acordei com um primo meu chacoalhando minha cama. Era o Gilberto, o “Této”, com quem muito antes eu tinha tido experiência de irmão. Numa época não muito precisa, eles me acolheram por um tempo. Sua mãe, minha tia Ilda, chamada pelos sobrinhos de “Tidinha”, é por isso para mim minha segunda mãe. Ainda hoje vejo com nitidez cenas que ficaram na minha memória, naquelas horas em que a memória parece funcionar fora da gente. Vejo-me acordado e em pé dentro do berço, segurando na grade alta de madeira, a prima Regina chegando para abrir a janela e botar o dia para dentro do quarto. Lembro do café da manhã com manteiga pura comprada numa casa vizinha, naquela periferia de São Paulo onde ainda tinha gente que criava vacas. Lembro do tio Joãozinho saindo de caminhão para a lida. Talvez tenha sido nesse tempo que aprendi que a maior benção da vida é poder ficar em pé para receber um novo dia.

O britânico Rod Stewart começou a mostrar seu timbre rouco e áspero como vocalista do "The Faces". O guitarrista do grupo era Ron Woods, que mais tarde passaria a integrar os "Rolling Stones". Depois de iniciar sua vitoriosa carreira solo, no início dos anos 1970, Rod Stewart mudou-se para os Estados Unidos e pediu a cidadania norte-americana. No mesmo ano, mais precisamente 1975, lançou o álbum "Atlantic Crossing". A canção de maior sucesso foi "Sailing", que atingiu o topo das paradas do mundo. Outra canção muito conhecida do álbum é a belíssima "I Don't Want To Talk About It".

Eis que acordo naquele meu aniversário de 13 anos com o Gilberto me dando os parabéns e me entregando, eu ainda confuso de sono, um compacto-duplo acondicionado num envelope de presente. Abro ansioso para descobrir um disco do Rod Stwart. Pelo menos uma das quatro canções do compacto eu já cantava de cor, a faixa "Sailing", que frequentava as rádios paulistanas desde o ano anterior. Eu ganhava, então, meu primeiro disco. Anos depois, e por muitas vezes, ouvi dos meus amigos e parentes a frase “quer agradar o Marcelo, dê pra ele um disco”. E essa era uma verdade, uma verdade tão pura quanto a manteiga da vizinha da Tidinha, da nossa vizinha. Meu primo Gilberto não sabe, mas naquele dia ele eternizou em mim um valioso instante. Mesmo que eu chegue aos 80 ou 90 anos de vida, ainda me lembrarei daquela manhã em que fui acordado por música.

Curiosidade: Ron Woods aparece no comecinho do vídeo acima, despedindo-se após certamente ter feito uma participação especial nesse show do Rod Stewart.