sexta-feira, 30 de abril de 2010

O jazz, a cantora e eu - parte 2

Tomamos nossos lugares no teatro, ou no recriado bar. Havíamos escolhido duas cadeiras ótimas: bem no balcão do bar, à direita do palco. Havia seis daqueles banquinhos giratórios revestido de cor negro dispostos ao longo de m belo balcão, e ali nos pareceu perfeito para a proposta do “Emoções Baratas”. Dito e feito. Antes do início do espetáculo os garçons anotavam pedidos e serviam as mesas. Eu e o Alexandre pedíamos ali mesmo o que queríamos beber e ali éramos atendidos. Como havia acabado de fazer um curso de coquetelaria, eu estava em dia com as receitas dos drinques clássicos. Um dos meus preferidos era o old-fashioned, que leva uma dose de bourbon, angostura, club soda e açucar, e foi isso que pedi e repeti ainda antes que a primeira música se iniciasse.


Sarah Vaughan canta "Shadow of your smile"

A ambientação era muito bonita e bem feita, estávamos envolvidos por uma atmosfera distante, prontos para absorver a música de Duke Elington. Todos os lugares tomados, o serviço de bar diminuía gradualmente. De repente, uma surpresa. Um dos garçons que até então servia as mesas tirou um clarinete debaixo do casaco e começou a tocar. Daqui a pouco outro e mais outro garçom começou a tirar instrumentos escondido sob bandejas e de dentro do uniforme, passando a juntarem-se ao tema musical tocado pelo primeiro. Mais surpresos ainda, vimos um e outro garçom e garçonete começar a dançar entre as mesas, revelando serem integrantes do corpo de bailarinos do espetáculo. E assim, de forma criativa e inusitada o show começava. Os garços-músicos e os garçons-dançarinos iam subindo ao palco, a big band e o elenco de dança iam sendo completados por mais gente vinda dos bastidores.


Ella Fitzgerald, com Oscar Peterson ao piano, canta "Round Midnight", composição de Thelonious Monk

Foi quando surgiu no palco uma das cantoras do espetáculo. Eu e o Alexandre ficamos de queixo caído no mesmo instante. Ela era muito bonita, estava vestida lindamente, com um vestido que realçava as formas do seu corpo. Entrou cantando um tema romântico do repertório do Duke Elington. Cutuquei o Alê e nos perguntamos: quem é essa mulher? Assim que terminou seu primeiro número, a cantora Izy Gordon desapareceu no gelo seco do palco. A partir dali, além de curtir o belíssimo show em cada detalhe, ficamos na expectativa de que a Izy voltasse para mais um número, e cada vez que isso acontecia ela parecia vir ainda mais bonita em um novo vestido e com uma nova música. Até que houve um intervalo.


Shirley Horn e Wynton Marsalis interpretam "Basin Street Blues"

Movimentação para os banheiros, garçons – desta vez os de verdade – novamente a postos. Pedimos mais uma bebida e ficamos comentando a beleza do espetáculo, a qualidade dos músicos dos dançarinos e dançarinas, as músicas fantásticas, a qualidade da voz das cantoras e, claro a beleza da Izy Gordon. Estávamos definitivamente encantados. Já tinha passado um tempo que o intervalo seguia quando as luzes baixaram e os acordes de uma nova música começaram a ser ouvidos. Dei as costas para o salão e fui me servir de um último gole do meu copo. Ao mesmo tempo em que senti o Alexandre cutucando meu braço ouvi a voz de uma mulher atrás de mim: “- Dança comigo?”. Quando me virei, era ninguém menos do que a Izy Gordon sorrindo um sorriso belíssimo e com a mão estendida na minha direção. Fiquei sem reação, ela perguntou de novo “- Dança comigo?”. Para saurpresa de todos, naquele momento do show alguns dançarinos e as duas cantoras tiravam pessoas da plateia para dançar. Eu, claro, topei na hora e dei a mão a ela, que foi me guiando para o paco. Antevendo um fiasco, disse no ouvido dela “eu não sei dançar”, ao que ela respondeu “nem eu”. Mais alguns passos e estávamos sobre o palco em meio aos músicos e a meia dúzia de casais, dançando e conversando sobre coisas que nem me lembro. Terminada a música nos despedimos e voltei para o meu balcão de bar. O show seguiu adiante. O Alexandre, com os olhos arregalados, me disse “meu, você ganhou na loteria!” Ainda sob o efeito do perfume daquela bela cantora, decidi que no dia seguinte voltaria para ver de novo o show. E levaria algo para presentear minha nova musa.
(continua)


Anita O'Day canta o clássico "Stella By Starlight"

terça-feira, 20 de abril de 2010

O jazz, a cantora e eu - parte 1


Até aquele momento eu nunca havia parado para ouvir jazz. Por estar muito ligado à música brasileira e praticamente desconhecer os artistas que faziam jazz, eu não me sentia atraído. Mais do que isso, o pouco que tinha ouvido me levava a crer que jazz era uma música em que se abusava do virtuosismo, e isso não me entusiasmava. Um dia, depois de ter ficado algum tempo sem ver o Landinho Vasques e o Alexandre, que eram do grupo Sangue Novo, do qual fiz parte por um tempo, fui me encontrar com os dois na casa do Landinho. Lá, cantei algumas das minhas composições mais recentes e ouvi as coisas novas do Landinho. Ele estava visivelmente evoluindo no ofício. Eu mostrei uma música que tinha feito naquela semana, uma bossa-nova de andamento mais lento, que cantava num tom de voz bem alto, com bastante facilidade. A mãe do Landinho, que nos ouvia lá da cozinha, chegou a fazer um elogio, o que me deixou feliz. Aí, em determinado momento, o Landinho botou pra girar na vitrola um LP, do qual saiu a voz rouca de uma antiga cantora americana que eu já tinha ouvido não sabia onde. Ele perguntou se eu conhecia, eu não quis arriscar. Era Billie Holiday.


Billie Holliday interpreta "I love you, Porgy", da ópera-jazz Porgy and Bess, composta pelo americano George Gershwin

Por aquela época, eles andavam ouvindo jazz aos montes. Era como se uma nova fase tivesse sido inaugurada na vida dos dois. Meus ouvidos não habituados não desgostaram do que ouviram, mas também não posso dizer que gostei. Achei curioso aquele timbre e aquele jeito de cantar. Eis que dias depois encontro o Alexandre e ele me popõe assistirmos juntos o musical “Emoções Baratas”. Topei e marcamos para o próximo sábado. O Alexandre estava decidido a me converter para o jazz, então gravou uma fita cassete inteira com clássicos do gênero, os chamados "standards". Como morávamos no mesmo bairro, fomos da Vila Gustavo até Pinheiros ouvindo canções belíssimas cantadas por vozes marvilhosas. Não tinha como não gostar daquilo. Além da qualidade inegável do material, ali estava muito da sonoridade de um Johnny Alf, de um Tom Jobim, só pra citar três dos compositores brasileiros que foram buscar no jazz estruturas harmônicas que a música popular brasileira desconhecia antes da bossa-nova.


Carmen McRae canta "I'm Going To Lock My Heart, And Throw Away The Key",
de Jimmy Eaton e Terry Shand

O musical “Emoções Baratas” foi um acontecimento em São Paulo. Ficou dois anos em cartaz, sempre com casa lotada, num espaço muito bonito que existia (ou ainda existe) no bairro Pinheiros, um misto de casa de shows e bar cujo nome não me lembro. Dirigido por José Possi Neto, o "Emoções Baratas" era um teatro-dança que recriava o clima dos night clubs americanos da década de 1950. Num ambiente esfumaçado onde não havia poltronas, mas sim mesas e cadeiras, além de um palco e um bar de verdade, com balcão e tudo, dançarinos – entre eles o Sebastian, que depois passaria a estrelar os comerciais da C&A – faziam coreografias sensuais em torno da música extraordinária de Duke Ellington, executada com muita competência pelos músicos da big band paulistana Heartbreakers. Havia também duas cantoras, duas crooners. A mais conhecida era a mineira Misty, que no início se revezava com a novata Adyel. Filha de Adhemar Ferreira da Silva, primeiro atleta brasileiro a ganhar medalha de ouro em olimpíadas, Adyel havia ganho notoriedade ao cantar o jingle de um comercial de TV. Porém, tinha deixado o elenco semanas antes. Sua substituta no espetáculo acabou sendo responsável por uma das melhores histórias que vivi com a música e com uma mulher.
(continua no próximo post)


Duke Ellington e sua banda executam "Satin Doll", clássico do próprio Duke

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Dia da Voz

Há mais ou menos um mês e meio comecei a estudar canto. Esperei algum tempo até que a professora que eu queria que me orientasse abrisse um horário à noite em sua agenda. Valeu a espera. Mineira radicada em Curitiba, Ana Cascardo é uma das cantoras de que mais gosto. Foi o Fabinho Hess que me deu o CD dela de presente, e quando ouvi já pela primeira vez botei na cabeça que seria com a Ana que eu iria procurar aprimorar minha voz. Ana Cascardo tem no currículo uma participação como semifinalista do cobiçado Prêmio Visa, em 2005, feito reservado a pouquíssimos talentos.


Ana Cascardo canta "Com açucar, com afeto", de Chico Buarque

Além de ser uma apaixonada pelo estudo e ensino da técnica vocal, o fato da Ana Cascardo ser cantora profissional com experiência de palco e disco pode facilitar meu desenvolvimento. Além disso, o repertório dela tem muito a ver com o que gosto e persigo em música. Já tive uma base no estudo do canto. Em São Paulo, fiz alguns meses de canto lírico com uma professora que dava aulas em seu apartamento, na região central da cidade. Aquele apartamento, por si só, era um cenário. Como ela tinha sido cantora profissional de ópera (infelizmente, não lembro o nome dela), sua sala era repleta de objetos cênicos de diversos países, mas quem reinava mesmo era um piano enorme, que servia de apoio para as aulas. Já em Curitiba, fui aluno por quase um ano da Liane Guariente, vocalista do excelente grupo “Terra Sonora” e também ótima professora de canto.


A soprano argelina Amal Brahim Djelloul canta "Bachiana nº 5", de Heitor Villa-Lobos

Hoje, 16 de abril, é o “Dia Mundial da Voz”. Minha homenagem a todos aqueles que fazem da voz seu instrumento de trabalho e encantamento.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A voz disfarçada de gente

Ivo Rodrigues, vocalista da banda curitibana Blindagem

Na noite de ontem, o vocalista e compositor Ivo Rodrihues se foi. Partiu pra "Alhures do Sul", como diz o cartunista Solda. Sabe aquela frase "não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje"? Adiei por várias vezes minha ida ao bar Stuart, onde o vocalista da lendária banda de rock curitibana Blindagem passou a se apresentar sozinho todas as quintas-feiras, de uns tempos para cá. Algo tão simples, tão fácil de fazer, talvez por isso mesmo fui deixando para a próxima e acabei dançando, e dançando sem música. Tinha curiosidade por conhecer pessoalmente esse cara, mesmo eu não tendo familiaridade com o trabalho dele, já que não cresci em Curitiba e não costumo ouvir rock'n roll. Alguns amigos meus eram muito amigos do Ivo, e sempre falaram com carinho dessa figura. No ano passado, pude acompanhar as manifestações de alegria de vários desses amigos por ele ter conseguido, finalmente, fazer um transplante de fígado, depois de ter amargado três anos na fila de espera. A seguir, transcrevo boa parte do texto que foi publicado hoje no jornal A Gazeta do Povo. Mais abaixo, posto um vídeo da Blindagem com o Ivo Rodrigues mandando ver. A propósito, o que você queria fazer hoje mesmo?

Morre Ivo Rodrigues, vocalista da banda Blindagem

Ivo Rodrigues morreu aos 61 anos na noite de quinta-feira no Hospital de Clínicas de Curitiba, vítima de uma parada cardiorrespiratória decorrente de complicações em função de um câncer. Era casado e deixa dois filhos.
Ivo nasceu em Porto Alegre, mas com três anos de idade se mudou para Curitiba com a família. O músico assumiu o vocal da banda Blindagem em 1969, uma das mais tradicionais do Paraná. Além de se manter por três décadas nos microfones da banda, o vocalista também se notabilizou por manter sólida parceria com o poeta curitibano Paulo Leminski.

O contato com a música começou cedo, com a participação de programas de auditórios em rádios e em programas de calouros na televisão. Em 1966, foi eleito o melhor cantor do Sul do Brasil, conquistando o “Troféu Barra Limpa”, em um programa apresentado por Júlio Rosemberg na TV Paranaense. Com isso, ganhou como prêmio um programa de duas horas, o “Juventude Alegria”, que passou a ser transmitido na emissora nas tardes de sábado.

Na Blindagem, participou de momentos históricos para o rock paranaense. Com um som agressivo e performático, variando do lírico ao pesado, a banda participou de festivais memoráveis, como o de Águas Claras. Entre os momentos mais importantes do grupo, a banda foi a responsável pela montagem do legendário espetáculo Rocky Horror Show, em 1982.

O primeiro disco foi gravado em 1981, pela Continental, com o título “Blindagem”. No mesmo ano, a banda lançou dois compactos. Em 1983, vieram mais dois compactos, com as músicas “Malandrinha” e “Me provoque pra ver”. Outro single foi lançado em 1985, pela Polygram, com a música “Operário Padrão”. O outro LP, “Cara x Coroa”, foi lançado de maneira independente em 1987.

Os trabalhos da banda tiveram reedições e versões em CD. O novo disco foi lançado em 1997, com o título “Dias Incertos”. Em junho de 2008, a Blindagem lançou seu DVD “Rock em Concerto – Banda Blindagem e Orquestra Sinfônica do Paraná”, gravado ao vivo na primeira apresentação do Rock em Concerto, em setembro de 2007.


"Buraco no coração", de Ivo Rodrigues, P. Teixeira, O. Azevedo, C. Gaertner e Paulo Leminski

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Resultado da primeira edição do festival

Com uma semana de atraso, trago aqui o resultado da primeira edição do festival Samba do Compositor Paranaense, da qual participei. Eis as músicas melhores classificadas:

1º - Mar grande - Gustavo Proença
2º - Amor pagão - Karla Díbia
3º - Minha ancestralidade - Willian Nazário / Emerson Urso
4º - Como disse o Cony - Marcelo Amorim

O Gustavo Proença e a Karla Dibia defenderam muito bem suas respectivas criações, valorizando a qualidade das músicas, e por isso mereceram os primeiros lugares. Minha "Como disse o Cony" ficou em quarto lugar, perdendo a chance de figurar no CD oficial do projeto, a ser lançado provavelmente no final do ano. Mas ter participado dessa primeira edição foi bom e divertido. Os músicos do grupo formado para o evento, o Paranapoeta, sabem do riscado e são ótimas figuras. Com a ajuda deles acredito que consegui dar o meu recado, embora a falta de experiência tenha pesado em alguns detalhes da minha apresentação. Acredito que isso é normal, nesse estágio de aprendizado em que me encontro. 
 
Pelas notas do juri eu teria ficado em segundo lugar, mas como havia também nota da plateia, que acabou não recebendo bem o meu samba, minha média caiu. A razão da baixa nota que recebi de quem estava lá assistindo talvez tenha sido pela letra do samba não facilitar o "cantar junto", talvez. De qualquer maneira, foi uma experiência positiva. Quero ver se participo de mais uma edição, não sei se da próxima, que acontecerá ainda neste mês, mas penso em me inscrever mais uma vez para conhecer mais gente próxima que produz música brasileira. E de quebra, claro, tentar um lugar no CD. Sem dúvida, isso será muito bem-vindo.


O mestre Paulinho da Viola, em um delicioso pout-pourri