quinta-feira, 25 de março de 2010

Ensaio do festival

Foto de Jandoo (Flickr)

Ontem participei do ensaio para a apresentação no festival Samba do Compositor Paranaense. Noite chuvosa em Curitiba, o que fez o percurso que seria de 15 minutos entre o centro e o lugar marcado levar pelo menos o dobro de tempo que levaria. Mesmo com a chuva chatinha lá fomos nós, seis dos sete participantes da primeira edição do festival. O sétimo é da distante cidade de Paranavaí, por isso não compareceu e terá seu samba defendido pela banda formada para o evento.

O astral estava ótimo. Um povo muito à vontade, a fim de tocar, de fazer samba e de se divertir. Quatro percursionistas, um cavaquinho, um violão e um clarinetista. Cada um de duas ou três passadas pela música, para se familiarizar bem com o arranjo e combinar alguns detalhes. Em geral, gostei de todos os sambas que concorrem com o meu "Como disse o Cony" ao direito de fazer parte do CD oficial do festival. A seguir, dou uma palavrinha sobre cada um deles.

"Amor pagão", de Karla Díbia
Trata-se de um “quase-samba”, se é que se pode chamar assim essa bonita canção, que em alguns trechos lembra uma "quase-valsa", se é que se pode chamar assim essa bonita canção que, no fundo, é isso, uma bonita canção de amor. Vai dar uma quebrada no clima, o que considero muito positivo. A letra é romântica e a melodia muito inspirada, o que favorece a voz da Karla Díbia, de timbre muito agradável. Se tivéssemos prêmio para melhor cantor, eu apostaria nela para esta primeira edição.

"O sapateiro deu o nó", de Reinaldo Godinho
Entre todos, o Reinaldo Godinho é o concorrente com mais bagagem. É músico, produtor e arranjador, e já tem vários discos gravados, o primeiro deles foi lançado em 1978. No festival ele vai defender um samba no melhor estilo Moreira da Silva, com muita malandragem e malícia na letra, além de um suingue muito característico dos sambas-de-breque. Fora isso, o Reinaldo canta muito bem, mostra que sabe das coisas.

"Ordem, progresso e amor", de Alysson Siqueira
Eis aqui um samba de muito boa melodia e temática romântica incomum. Uma coisa que chama a atenção de cara é que a história narrada no samba é situada em Curitiba, o que é sempre interessante, já que a cidade não costuma ser associada ao samba. Também gostei muito da voz do Alysson Siqueira, timbre grave e ao mesmo tempo suave.

"Mar grande", de Gustavo Proença
O Mar Grande da música é o que separa a Ilha de Itaparica do continente, na Baía de Todos os Santos, perto de Salvador. Pelo que entendi do papo rápido que tive com o Gustavo Proença, autor do samba, é a terra dos pais dele. Este samba tem uma pegada bem tradicional, típica daqueles lindos sambas que imortalizaram a Clara Nunes. Muito bom de ouvir, muito segura a interpretação do Gustavo, a mistura deve empolgar a plateia.

"Futebol no céu", Cristiano Marques
Esse samba é, na minha opinião, o mais original de todos. Tanto na estrutura melódica quanto na poética da letra. Isso e o timbre do Cristiano Marques, que defenderá o samba, me fizeram lembrar do José Miguel Wisnik. Gostei muito, não é um samba pra levantar poeira, mas musicalmente foi o que mais me chamou a atenção.

"Minha ancestralidade", Willian Nazário
Eis um típico "sambão". Me parece ser o concorrente mais forte para a primeira apresentação, considerando que teremos público, portanto, um clima propício para a empolgação. O nome do samba diz tudo, ele versa sobre raízes culturais, negritude na veia. Como o autor mora distante de Curitiba, quem vai defender o samba vai ser a banda do festival, que tem tudo pra mandar bem.

Agora é torcer para que no domingo a gente consiga apresentar bem nossas músicas e a plateia presente saia de lá satisfeita com o que viu e ouviu.


"Agoniza mas não morre", do mestre Nelson Sargento, com o próprio e a sempre bem-vinda Teresa Cristina.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Festival Samba do Compositor Paranense: tô dentro!

Neste mês, tem início em Curtiba o festival "Samba do Compositor Paranaense". Como o nome diz, o projeto tem a intenção de revelar compositores que produzem sambas no Paraná. O concorrente deve ser paranaense de nascimento ou morar aqui, como é o meu caso. Serão nove apresentações até novembro, uma por mês, e em cada uma delas vão ser selecionados sete sambas. Destes sete, um será escolhido para fazer parte de um CD, e a escolha se dará por meio de votos do júri e da plateia presente.

Tive meu samba "Como disse o Cony" selecionado entre os que vão estar na primeira edição, que acontecerá no último domingo de março. Além de gostar muito desse samba, pela linguagem, bom humor, a cadência bem marcada, eu já tinha pronta uma gravação-guia dele. Vou defendê-lo acompanhado por um conjunto criado especialmente para o evento, composto por músicos renomados do samba paranaense, como Daniel Miranda, Felipe Cubas, Julião Boêmio, Léo Fé, Ricardo Salmazo, Vinicius Chamorro e Xandi da cuíca.

Não sou um sambista, mas gosto muito de samba e, vira e mexe, faço os meus. De qualquer forma, tô feliz de poder partipar dessa história. Primeiro, porque o festival vem em ótima hora, depois que resgatei minha paixão por compor músicas. Segundo, porque um evento desses é sempre uma ótima oportunidade para conhecer novos "amigos musicais", compositores, cantores, músicos, gente com quem posso vir a produzir coisas boas mais adiante. É isso aí, dia 28 estarei lá. Quando chegar mais perto, postarei aqui os detalhes da apresentação.

E se você quiser ouvir a gravação-guia da minha música classificada, o samba "Como disse o Cony", acesse www.myspace.com/marceloa



Jorge Aragão canta um dos melhores sambas que conheço, "Estrela de Madureira", de Acyr Pimentel e Cardoso.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Intervalo - Johnny Alf

Capa do LP lançado por Johnny Alf em 1965

Alfredo José da Silva nasceu no Rio de Janeiro em 1929. Perdeu o pai aos três anos de idade. Sua mãe o criou sozinha trabalhando como doméstica na casa de uma família na Tijuca. Seus estudos de piano começaram aos nove anos, com Geni Borges, amiga da família para a qual sua mãe trabalhava. Após o início na música erudita, começou a se interessar pela música popular, principalmente pelas trilhas sonoras do cinema norte-americano e por compositores como George Gershwin e Cole Porter. Uma amiga americana sugeriu o nome de Johnny Alf. Segundo o jornalista Ruy Castro (e quase todo o mundo da música), Johnny Alf foi o verdadeiro pai da Bossa Nova. Tom Jobim o apelidou de "Genialf". (informações retiradas da Wikipédia)


Caetano Veloso canta "Eu e a brisa"


Eu e a brisa
(Johnny Alf)

Ah, se a juventude que esta brisa canta
Ficasse aqui comigo mais um pouco
Eu poderia esquecer a dor
De ser tão só pra ser um sonho


Daí então quem sabe alguém chegasse
Buscando um sonho em forma de desejo
Felicidade então pra nós seria

E, depois que a tarde nos trouxesse a lua
Se o amor chegasse eu não resistiria
E a madrugada acalentaria a nossa paz

Fica, ó brisa fica pois talvez quem sabe
O inesperado faça uma surpresa
E traga alguém que queira te escutar
E junto a mim queira ficar

segunda-feira, 1 de março de 2010

Vai passar

Vista aérea do Vale do Anhangabaú durante o comício pró-Diretas Já, em abril de 1984. Eu estava lá. Foto Ag. Estado.

Os anos 1980 começavam sob o signo do protesto. Não mais o protesto velado ou aquele feito na clandestinidade. A sociedade civil finalmente começava a sair às ruas para reivindicar melhores condições de vida, de trabalho, para exigir a redemocratização do país. O período do chamado “milagre econômico” há muito ficara para trás, e os sinais de insatisfação com a miséria crescente, a inflação, o endividamento do país e a falta de liberdade política eram cada vez mais explicitados. Mas a repressão, embora tivesse sido bastante abrandada em relação ao que foram os anos de chumbo das décadas de 60 e 70, ainda arriscava umas recaídas.


"Inútil", com os paulistanos do Ultraje a Rigor. O rock nacional começava a despontar mostrando uma de suas principais características, a irreverência.

Foi nesse clima que atingi a maioridade e alcancei duas importantes vitórias: o trabalho e a faculdade. Depois de me ver livre de servir o exército, já que fui incluído no “excesso de contingente”, eu já podia voltar a conseguir um emprego regular. Traumatizado que estava pelo longo período sem trabalho e ciente da crise de desemprego pela qual passava o país, optei por ir atrás da estabilidade do serviço público. Comprei algumas apostilas em uma banca de jornais e estudei por uns dias as disciplinas que eu desconhecia à época, como noções de Direito e a legislação aplicada ao funcionalismo público. Prestei concurso no TRT e no TRE de São Paulo, sendo aprovado nos dois. Como fui chamado rapidamente pelo TRT foi lá que me apresentei, e assim passei a ser funcionário público federal, onde permaneci por 10 anos.


Marina Lima canta "Fulgás", dela e do irmão Antonio Cícero, de onde destaco o verso "você me abre seus braços e a gente faz um país".

Já dentro da Justiça do Trabalho, influenciado pelo meio e pelo fato de não precisar comprar livros, uma vez que vários dos meus colegas de trabalho estudavam Direito, acabei optando por prestar vestibular para esse curso. Acima de tudo, eu queria estudar algo que não incluísse matemática nem física, matérias que me infernizaram especialmente no colégio. Passei no vestibular do Mackenzie e fiz minha matrícula. Mas naquela manhã de domingo em que meu pai gritou para mim, eu debaixo do chuveiro, que meu nome saíra no jornal, na lista da PUC, desisti do Mackenzie. Eu queria estudar na PUC, uma universidade claramente de esquerda. Cinco anos antes, durante uma assembléia de estudantes, a PUC havia sido violentamente invadida pela polícia, comandada pelo então Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, coronel Erasmo Dias, que faleceu recentemente. Muitos estudantes apanharam, tiveram a pele queimada por bombas de gás lacrimogênio, outros foram levados para o DEOPS (Delegacia Estadual de Ordem Política e Social) onde vários foram fichados e espancados. Além desse perfil da universidade me atrair, o curso de Direito da PUC rivalizava em qualidade com o da USP, o do Largo São Francisco.


Fafá de Belém em uma das músicas que foram apropriadas pelo movimento Diretas-Já, "Menestrel das Alagoas", de Milton Nascimento e Fernando Brant. O "menestrel" em questão era Teotônio Vilela, senador que pertencia à ARENA, partido que dava sustentação política ao governo militar. No entanto, em 1979 Teotônio passou para o MDB, tonando-se um dos artífices do início da campanha pela volta das eleições diretas para presidente da República. Morreu de câncer em 1983. 

A redemocratização do país era um processo irreversível, que culminaria com a campanha Diretas Já, lançada em 1983. Estive presente em dois momentos dessa história. O primeiro foi em uma passeata de “bate-panelas”, que saiu da PUC e foi até a Praça da Sé. Durante o trajeto batemos tampas de panelas e gritamos palavras de ordem pelo fim da ditadura. Estive também na maior manifestação pública da história do Brasil, o comício das Diretas Já no Vale do Anhangabaú, que aconteceu em 16 de abril de 1984. Um milhão e meio de pessoas presentes tendo como mestre de cerimônias o locutor esportivo Osmar Santos. Sucessivamente, iam tomando a palavra políticos, artistas e esportistas. Ulysses Guimarães, Brizola, Tancredo Neves, Lula, Fernando Henrique Cardoso, o jogador de futebol Sócrates, Chico Buarque, entre outros. Obedecendo à convocação dos organizadores, eu e meus amigos da Justiça do Trabalho vestimos camiseta amarela, apesar das ameaças que circulavam pelos corredores do TRT. Dito e feito, dias depois vários de nós foram transferidos compulsoriamente para cidades indesejadas, como Cubatão, que era então uma das mais poluídas do mundo. Por algum motivo, escapei da represália e permaneci em São Paulo. As eleições diretas não passaram pelo Congresso. Eleito no Colégio Eleitoral, Tancredo Neves morreu antes de assumir. O cargo de presidente da República caiu então no colo do vice-presidente na chapa, o senador José Sarney, que até pouco tempo atrás era do partido da situação, a ARENA. Ou seja, um verdadeiro samba do crioulo doido.


"Vai passar", de Francis Hime e Chico Buarque. Empunhando o estandarte de uma fictícia escola de samba a que chamou de "Sanatório Geral" (que na verdade era o próprio Brasil), Chico, mais uma vez, conseguiu sintetizar toda uma época em alguns versos.