quinta-feira, 30 de julho de 2009

Pausa

Joia achada numa lixeira

Este lindo cãozinho foi encontrado entregue à própria sorte junto a uma lixeira comunitária, numa estrada de chão perto de Curitiba. Estava pele e osso, mas o que mais impressionou foi a expressão de “desisti” que ele tinha nos olhos. Resgatado, está sendo cuidado e alimentado (com ração). Foi vacinado, desverminado, e está gradativamente recuperando o peso e a auto-estima. Deve ter 5 ou 6 anos de idade. Trata-se de um legítimo vira-lata com algumas características de basset hound. É extremamente dócil, tranqüilo, silencioso e – disseram no canil onde ele está – faz coco bonitinho no jornal. Ou seja, não precisa nem de muito espaço. Precisa de uma casa, carinho e respeito, essas coisas que todo ser vivo merece e deveria ter. Se você quer essa jóia, ou sabe de alguém legal que queira, fale comigo: marceloredator@uol.com.br

terça-feira, 28 de julho de 2009

Toca Raul!

Raul dos Santos Seixas, o "maluco beleza", em foto sem crédito

Nos anos 1970, o soteropolitano Raul Seixas estourou nas paradas de todo o país. Era um dos artistas que mais tocavam nas rádios e que mais se apresentavam na TV. Figura irreverente, amado por uma legião de fãs que o consideram ainda hoje uma espécie de profeta do rock nacional, compôs várias músicas em parceria com Paulo Coelho. Duas delas povoaram minha cabeça naqueles anos de 1974, 1975 e 1976: “Ouro de tolo” e “Gita”.


Raul costumava dizer que foi o primeiro artista da música brasileira a ter problemas com a censura. O debochado "Rock das Aranhas", por exemplo, foi censurado. Mas “Ouro de tolo”, um estrondoso sucesso lançado em 1973, passou. Era uma crítica irônica ao regime militar e seu “milagre econômico”, uma fase de crescimento do PIB brasileiro caracterizada pela realização de grandes obras, mas que na verdade foi forjada à custa de uma crescente dívida social e financeira, que levaria o país à beira do caos nos anos seguintes.

Desde aquela época, era comum nas rodas de violão alguém pedir “toca Raul!”, mas a coisa ganhou corpo de tal maneira que se tornou um clássico entoado em shows alternativos e nas apresentações de muitos músicos conhecidos do rock e do pop nacional. Um dos que mais ouvem o brado é Zeca Baleiro. Ouve tanto que assumiu a brincadeira e, recentemente, gravou uma música chamada “Toca Raul”, disponível apenas no seu site oficial. Para ver o clipe, eis o link: http://zecabaleiro.locaweb.com.br/videos/tocaraul.html


Lançada em 1974, “Gita” igualmente conquistou todas as paradas de sucesso (no vídeo há um pequeno corte na parte final). Foi escrita a partir do livro indiano anônimo Bhagavad-Gîtâ, que traria a revelação do todo, do divino, do que é vida. Depois que a revista Planeta publicou em matéria de capa que no disco do Raul estaria “a resposta para os segredos do universo”, seus shows, na época, passaram a atrair muitos pais que levavam suas crianças doentes para erguê-las diante do palco, a fim de que ele as tocasse e as curasse.

Começando eu já a caminhar na direção da MPB como estilo musical preferido, e me aproximando também de um emergente pop internacional, ouvir os sucessos do Raul Seixas foi, na minha pós-adolescência, o mais perto que cheguei do rock. A propósito, apesar de gostar, mas de nunca ter sido um fã do “Rauzito”, tenho um LP do cara autografado pelo próprio. Como consegui isso é história pra ser contada mais adiante.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Febre, doces e discos

Araraquara, interior de São Paulo (na foto, cena de 1971), a "Morada do Sol" (na tradução do tupi-guarani) se orgulhava do seu sistema de transporte coletivo limpo e silencioso, à época formado apenas por troleibus elétricos. Quem chega a Araraquara já sente o aroma cítrico no ar, produto das chaminés de suas poderosas indústrias de suco de laranja. Pelo mesmo motivo, cheguei a ver cristais de açúcar no pára-brisa dos carros estacionados nas ruas de lá. Lembranças literalmente doces de uma cidade muito querida por mim.

Como dizia aquele famoso jingle do finado banco Bamerindus, o tempo passa, o tempo voa. A Jovem Guarda já havia ficado para trás, o homem já tinha pisado na lua, o Brasil emplacado o tri-campeonato no futebol, os Beatles se separado (aliás, só bem mais tarde tomei consciência do que foram os Beatles), os grandes festivais da Record já eram história. E eu, nesse meio tempo? Continuava ouvindo rádio e discos, aprendendo a cantar tudo que fosse música que ouvia. Continuava magro feito um palito, apesar do tratamento que havia feito anos antes para ganhar peso e apetite. Continuava também perdendo a tampa do dedão ao chutar bola descalço na rua e no quintal. E pulando de casa em casa, a cada intervalo de dois anos, em média, a cada vez que vencia o contrato de aluguel e o reajuste inviabilizava o orçamento. Mudar de casa tantas vezes nunca se constituiu num problema para mim. Não enquanto era uma criança. Na verdade, isso abria novas e interessantíssimas possibilidades. Gostava muito de visitar as casas candidatas a nosso novo endereço, depois conhecer os novos vizinhos, a nova rua e suas redondezas, arranjar novos amigos pra jogar bola e aprender um novo caminho pra ir a pé à escola. Uma das coisas que não mudavam nessa época eram as temporadas de férias em Araraquara, no interior de São Paulo, na casa dos tios Maria e Nelson.



Além do rádio e dos programas musicais, outra forma de contato com a música era por meio das trilhas das novelas, que nada mais eram do que coletâneas de sucessos nacionais e internacionais. Algumas dessas trilhas eram tão caprichadas que são hoje consideradas verdadeiros clássicos do gênero. Da novela Anjo Mau, levada ao ar na verão original em 1976, na TV Globo, foram lançados dois LPs magistrais, tanto o de músicas internacionais quanto o de nacionais, que contava com essa balada de um ainda muito jovem Guilherme Arantes, "Meu mundo e nada mais" (no vídeo, um trecho dela). No início de sua carreira, Guilherme Arantes foi trabalhado pela gravadora para ser uma espécie de "Elton John brasileiro". O astro britânico era, naquele momento, o músico pop que mais vendia discos no mundo.

Tenho que declarar aqui que minha tia Maria me mimava que era uma delícia. Como ela arranjava tempo e disposição pra isso, com seis filhos a tiracolo, é para mim até hoje um mistério. Sim, seis filhos, quatro primas e dois primos. Não lembro com que freqüência isso acontecia, mas eu e meu irmão Dario, quase dois anos mais velho que eu, passávamos alguns dias por ano ocupando um dos beliches do segundo quarto da casa da minha tia. Adorávamos, claro. Na pacata Araraquara daquele início da década de 1970, dava pra jogar bola em rua por onde passava ônibus. Ônibus, não, troleibus movidos a eletricidade. Uma das coisas que me encantavam em Araraquara, eu que morava numa São Paulo que já crescia desordenadamente, era ver os funcionários da prefeitura recolhendo a sujeira das ruas arborizadas com uma vassourinha feita de um punhado de gravetos secos amarrados. Eles juntavam o lixo das calçadas e o depositavam num latão sobre uma carroça, conduzida por um sonolento cavalo, que parecia acompanhar o ritmo de vida daquela cidade.

Depois do meu avô José, meu tio Nelson é um dos sujeitos mais caboclos que conheci. Caboclo no sentido de gostar das coisas do campo, do jeitão de ser, da cachaça, do churrasco, da pescaria, do chapéu, da música caipira tocando sempre, no rádio e no toca-fitas. Foi por ele que conheci as primeiras duplas caipiras, a maioria surgida no interior paulista, como a mais clássica de todas, formada pelos irmãos Tonico e Tinoco.

Eis que, numa dessas temporadas de férias, fiquei doente de cair de cama. Não lembro o que foi nem por que foi, mas lembro que isso durou por uns dias, eu com febre alta. Toda febre parecia querer fazer meu corpo levitar, tanto que o teto girava quando a temperatura subia. Mas onde o bicho pegava mesmo era na minha garganta. Sou de uma geração em que todos os males do mundo eram debitados nas amígdalas, uma espécie de membrana que compõe o sistema de defesa da garganta. Pois boa parte da culpa por minha falta de apetite crônica na infância recaiu sobre elas. Então, zapt! Por volta dos 7 anos de idade passei por uma cirurgia de extração das amígdalas. Desde então, qualquer infecção que pego na garganta instala-se direto na laringe. Haja spray de própolis para aliviar o problema. Naquele tempo, sem esse santo protetor das horas inflamadas, só mesmo cama, antibiótico e paciência. Mas na casa da minha tia Maria, sabedora do quanto eu gostava música, passei três dias deitado no sofá da sala decorando e redecorando discos dos inevitáveis Moacyr Franco e Roberto Carlos, além de um cantor espanhol que começava a fazer sucesso por aqui: Julio Iglesias.


Essa me permito arriscar não consultar o Google. Pelo que sei, o cantor espanhol Julio Iglesias era goleiro profissional, mas um acidente de carro afetou um dos seus joelhos e o impediu de seguir carreira no futebol. Então, arriscou-se pela música. E deu no que deu, virou um ícone da música romântica no mundo todo. "Manuela" foi seu primeiro single a entrar nas paradas de sucesso brasileiras.

Araraquara, para mim, significava coisas simples e muito boas. Jogar futebol na rua com os primos Nilson e Nelsinho (este, aliás, um craque), tomar banho de rio, subir em árvore, comer os doces que a prima Vilma fazia, infernizar as primas Sandra, "Cia" e "Vita", ouvir os discos da tia Maria e as modas de viola do tio Nelson. Porém, àquela altura, com 12 para 13 anos de idade, eu começava já a querer fazer outra coisa com a música. Em silêncio, eu dizia pra mim mesmo que queria tocar violão. Também em silêncio, dizia que assim que eu aprendesse a tocar violão, a primeira música que eu ia tocar seria uma daquelas que ouvi tempos atrás na casa dos meus avós, e que não me saiu mais da cabeça. A primeira música que eu ia tocar seria “A Banda”. As outras? As outras eu ia tentar fazer.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Música brasileira x música jovem

Caetano Veloso em foto de Paulo Thiago de Mello

Já que falei em ponte, ao trazer Taiguara ao post anterior, eis um outro nome (fundamental) da nossa música que, na passagem da década de 1960 para a de 1970, também fez as vezes de ponte entre movimentos musicais distintos. Enquanto Taiguara aproximava a poesia revolucionária do romantismo, Caetano fez as honras entre a “música brasileira” e a “música jovem”. Escrevo assim mesmo, entre aspas, porque naquele momento esses termos eram usados para opor uns aos outros, num clima de quase enfrentamento. A distância entre os artistas de cada lado era abissal. Em um corner, os que faziam o que depois passou a ser chamado de MPB, aqui incluídos os bossanovistas, os pós-bossanovistas, os sambistas, os que faziam músicas de protesto, os que enveredavam por ritmos regionais, por aí; no outro, o pessoal da Jovem Guarda, basicamente eles. Entre as duas turmas, os tropicalistas, que seguindo os ditames antropofágicos, se alimentavam de tudo, indistintamente, da sanfona à guitarra elétrica, de Carmem Miranda a Odair José, de Chacrinha a Oswald de Andrade.



Líder do movimento tropicalista, Caetano não só se tornou amigo do trio central da "música jovem" (Roberto, Erasmo e Wanderléa), como acolheu elementos do “iê-iê-iê” em seu trabalho. Aliás, fez isso por sugestão da irmã Maria Bethânia, que viu na Jovem Guarda – tida por muitos como o embrião da música pop brasileira – um caminho para arejar, para energizar a nossa “outra” música. Certa vez, Erasmo Carlos declarou que a Tropicália foi uma espécie de “jovem guarda com consequência”. O fato é que a aproximação entre Caetano Veloso e a música de Roberto Carlos, rendeu belas canções de parte a parte, como “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”, composta por Roberto para o amigo Caetano, então no exílio em Londres, e "Baby", uma delicada e explícita declaração de amor àquela "música jovem". Com a palavra, Caetano Veloso.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Como se fosse a última

Taiguara cantava cada música como se fosse a última de sua vida. Numa época em que havia canções de protesto de um lado e românticas do outro, arrisco dizer que Taiguara era o elo perdido. Sua poesia libertária e seu coração absolutamente transparente faziam uma espécie de ponte entre o ideal e a emoção. Em “Maria do Futuro”, uma das músicas mais bonitas entre tantas que conheço, ele canta sua “dor civil” ao mesmo tempo em que quer “ver o mar salgando teu seio doce”. Tudo com a mesma verdade e urgência. Não sei quando foi que tive o primeiro contato com a música de Taiguara. Ele começou sua carreira nos festivais, no final dos anos 1960, e fez muito sucesso a partir de meados da década seguinte, bem quando passei a ouvir outros sons, entender outras letras, conhecer outras cores. Taiguara enfrentou inúmeros problemas com a censura, exilou-se em vários países, flertou com o experimentalismo, dedicou-se à música latina, gravou temas ligados aos povos indígenas latino-americanos e ao florescente movimento operário brasileiro. Era uruguaio de nascimento e morreu em 1996. Acima de tudo, Taiguara era um imenso cantor e um inspiradíssimo compositor. Sem dúvida, uma das minhas principais referências na música.

Maria do Futuro (Taiguara)

Duna branca, lua imensa
Maria deita
Nua e branda como as nuvens
Que a lua enleita

Duas tranças, uma flor
E Maria enfeita
Suas mansas curvas cheias
Que a areia aceita

Era noite de verão
Vi o amor nascer num sorriso seu
O luar me convidou
Mar nos temperou
E ela me envolveu

Nessa rede ela aprendeu
Minha dor civil, minha solidão
Nessa rede eu vi nascer
Minha liberdade

Tua rede, minha sede
E o amor te trouxe
Quero ver o mar salgando
Teu seio doce

E em cadeias de amor puro
Viver guardado
Joga areias do futuro
No meu passado


sexta-feira, 10 de julho de 2009

Jingles que pareciam música

Tenho usado essas primeiras postagens para reencontrar minha “base musical”. Os primeiros sons, as primeiras vozes, as primeiras letras, tudo chegava aos poucos e começava a construir um referencial. Nos anos 1960/1970, além da grande quantidade de atrações musicais que produzia e transmitia, a televisão brasileira também vivia de ecos do rádio. Muita coisa migrou do rádio para a TV, fazendo com que artistas e programas que antes eram conhecidos somente pelo áudio, passassem a ganhar rostos e cenários.




Numa época em que o rádio brasileiro ainda reinava, pela tradição, pela sua cobertura nacional, pelo baixo custo do aparelho, pela programação ainda restrita dos poucos canais de TV existentes, enfim, por n razões, era natural que a TV fosse influenciada pela linguagem do rádio. Nesse contexto se enquadram também os comerciais. Os comerciais de rádio eram quase que essencialmente musicais. Um jingle bem feito era muito mais do que meio caminho andado, e há décadas era assim que funcionava.



Nos primeiros anos da TV, vários jingles que já faziam sucesso no rádio foram usados para embalar comerciais da telinha. A qualidade desses fonogramas publicitários era tanta que alguns desses temas se tornaram clássicos e são lembrados até hoje, como se fossem canções "de verdade". Aliás, hoje está cada vez mais difícil ouvirmos jingles que se equiparem àqueles, nessa coisa de soar como "música de verdade". As razões são muitas, mas uma delas é que até os anos 1970/1980 era comum grandes compositores da MPB comporem também jingles. Renato Teixeira, Sá & Guarabyra, Walter Santos, Zé Rodrix, Paulinho Tapajós, entre outros, para citar somente os casos “mais recentes”, criaram jingles inesquecíveis.



Para garotos que, como eu, ainda não amavam os Beatles nem os Rolling Stones, mas já tinham uma antena bastante atenta para a música, é evidente que os grandes jingles da época marcaram musicalmente. Não tem como deixar de citá-los, então, como um dos ingredientes que compuseram o caldo musical que se formava em mim. Inclusive porque já tive a felicidade de criar alguns jingles profissionalmente. E quer saber? Botar um bom jingle na rua é uma das coisas mais prazerosas para qualquer publicitário.


quarta-feira, 8 de julho de 2009

Como canções de ninar

O formato dos programas de calouros, que hoje ganhou ares de showbusiness por meio do American Idol e de suas franquias, foi explorado por décadas nos programas de TV comandados por Silvio Santos, Chacrinha, Raul Gil e Bolinha. Porém, a gênese desse tipo de competição está no rádio. Ary Barroso, um dos nomes mais importantes da nossa música, que exercia múltiplas atividades artísticas, lançou o programa de rádio 'Calouros em Desfile' em 1937, que depois foi levado para a TV Tupi. Ary exigia que os candidatos cantassem somente música brasileira e que anunciassem corretamente o nome dos compositores. Na TV Tupi, ele instituiu o gongo, tocado para desclassificar os piores candidatos. Mas o gongo silenciou diante de Ângela Maria e Lúcio Alves, dois dos muitos grandes intérpretes que ali se lançaram. (fonte: cifrantiga.blogspot.com)


Naquele domingo, estávamos na casa dos meus avós maternos. Provavelmente para um almoço em família. Provavelmente para uma macarronada. Minha avó Rosa, com seu sotaque português, e meu avô José, com seu jeitão típico de um paulista do interior, tinham sua vitrola e seus discos. Eram títulos populares, de cantores e cantoras vindos da chamada “Era do Rádio”. Vários LPs da Ângela Maria, alguns do Cauby Peixoto e Francisco Alves, além de Francisco Petrônio e Francisco José, um português nascido em Évora, que gravou quase todos os fados clássicos. Mas tinham também algo de um outro Francisco, o Buarque de Hollanda, junto de coisas que descobri fuçando os compactos que estavam por ali ao lado da vitrola, que disputava heroicamente a atenção das pessoas com o onipresente Programa Silvio Santos e seu “Show de Calouros”, transmitido pela extinta TV Tupi, o “canal 4”.

A "pimentinha" Elis Regina também chegou a ser chamada de "Eliscóptero", pela forma como girava os braços ao lado do corpo nos momentos mais empolgantes das músicas que cantava. Quem ouve suas primeiras gravações identifica facilmente em quem Elis se espelhou no início da carreira: na "sapoti" Ângela Maria. "Menina, você tem a voz doce e a cor do sapoti", disse Getúlio Vargas para Ângela, inaugurando o apelido pelo qual a cantora seria conhecida para sempre.

Não sei dizer quem me guiou na escolha dos compactos que acabei ouvindo, porque eu não conhecia nada daquilo. Ou melhor, achava que não conhecia. Assim que colocaram para rodar o primeiro daqueles disquinhos e comecei a ouvir aquela mulher cantando “ê, tem jangada no mar... êi êi êi, hoje tem arrastão...” eu tive a nítida sensação de que já tinha ouvido aquilo antes. Depois, uma outra faixa na agulha e a voz de um rapaz começava a cantar “estava à toa na vida, o meu amor me chamou...”. Aquilo também bateu em mim com a mesma estranheza de quem lembra de algo que não sabe exatamente se conhece. “Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar...” dizia o poderoso verso saído de um outro compacto, e do mesmo modo aquilo me soou familiar, só não sabia o por quê.





Jair Rodrigues interpreta “Disparada”, de Théo de Barros e Geraldo Vandré, no Festival da Record de 1966. Um dos momentos mais belos e emocionantes da música brasileira, em todos os tempos.

Os mais velhos à minha volta praticamente disputaram a primazia de me explicar o que estava acontecendo. Naquele domingo de não sei que ano, talvez 1971, talvez 1972, eu estava sendo apresentado a músicas que tinham participado dos festivais promovidos pelas TVs Excelsior e Record na década anterior. As transmissões das eliminatórias e das finais dos festivais davam picos de audiência. A qualidade das músicas e dos artistas que se apresentavam, o clima de competição, tudo contribuía para que esses eventos tivessem um grande sucesso. Certamente, a Telefunken lá de casa também ficava sintonizada nos festivais. Ficara claro, então, que embora eu não me lembrasse de ter estado diante da TV naqueles momentos históricos, eu que contava apenas 2, 3, 4 anos de idade quando os shows aconteceram, de alguma forma aquilo tudo havia ficado no meu subconsciente. Assim, como quem reconhece repentinamente uma canção de ninar que ouviu na primeira infância, as músicas dos grandes festivais de MPB estavam adormecidas na minha memória. Naquele dia, meio que por acaso, eu me reencontrava com a força daquelas canções, e desta vez de forma consciente. Canções que, aliás, iriam a conduzir e a referenciar grande parte do que passei a gostar e a querer fazer na música.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

A primeira apresentação (final)

O jovem mineiro Moacyr Franco, ainda Moacir de Oliveira Franco, pegou carona com um maestro que seguia para São Paulo, mas que precisou parar em Ribeirão Preto para vender um piano. Moacyr aproveitou a parada e fez um teste na lendária Rádio Clube, primeira rádio do interior do Brasil. Foi contratado em 1º de dezembro de 1956 como radioator, comediante e cantor. Nas horas vagas, pintava cartazes e fazia shows.

Em 1963, estreava na extinta TV Excelsior o programa “Moacyr Franco Show”, que faria muito sucesso. O ex-crooner de orquestra em Uberlândia, que também tinha no currículo uma passagem marcante pela Rádio Clube de Ribeirão Preto, já era um artista bastante conhecido do público. Além de encarnar o personagem “Mendigo” no decano humorístico “A Praça é Nossa”, já havia emplacado várias músicas nas rádios, muitas delas versões de sucessos românticos internacionais. Moacyr Franco é tido por muitos como o primeiro “showman” da televisão brasileira. Naquele seu programa, uma das presenças mais frequentes era a do garoto Guto, um dos filhos do Moacyr, que iniciava precocemente sua carreira na TV levado pelas mãos do pai famoso.


Em 1970, Guto gravou com o pai um compacto duplo. A música de maior sucesso, "Boa noite, amor", foi composta pelo desconhecido Expedito Fagioni, que mais tarde viria a se tornar redator de programas de humor na TV.

Nesse momento, Guto parecia que iria pender naturalmente para o lado cantor do pai. Porém, sua carreira como intérprete foi curta. Tornou-se compositor, tendo algumas de suas músicas gravadas pelo próprio Moacyr Franco, que certa vez, em uma entrevista, lamentou que o filho "tentasse compor ao estilo do Chico Buarque". Também atuou como comediante, em uma das inesgotáveis formações do “A Praça é Nossa”, e até publicou livros. Hoje, porém, Guto Franco se firmou como diretor de programas de TV, e atualmente dirige Renato Aragão e companhia em “A Turma do Didi”, da TV Globo.

Separados no nascimento???

Uma vez, uma senhora, dona de uma enorme loja de sapatos onde um tio meu trabalhava, no bairro paulistano do Brás, pegou levemente meu queixo, olhou para mim com ar de dúvida e perguntou se não me conhecia de algum lugar. Sim, ela acabara de me confundir com o astro mirim Guto... Esse tipo de confusão me acompanhou por um tempo razoável, o que me obrigou a repetir diversas vezes o mesmo sorriso amarelo e explicou, em parte, o fato de eu ter escolhido cantar "Boa noite, amor" na sala de aula, naquela manhã de 1970. A turma toda ouviu atenta e elegeu a minha apresentação a melhor entre as feitas pelas outras crianças que toparam pagar um mico. Tive que cantar de novo, mas desta vez fui acompanhado pelas palmas ritmadas dos colegas. E também pelas palmas da professora substituta que, segundo minha memória está me dizendo aqui, era bem bonitinha.

(clicando no link acima você pode baixar as faixas originais, em mp3, do compacto duplo que contém "Boa noite, amor")