terça-feira, 29 de setembro de 2009

O "hino do PT" - parte 1


Projeto de Oscar Niemeyer, o Edifício Copan (à direita na foto) era já naquele ano de 1980 uma espécie de síntese de uma São Paulo cada vez mais vertical e desvairada. Em primeiro plano está o prédio do Bradesco, onde trabalhei; à esquerda, em tom bege, o altíssimo Edifício Itália. O cenário era perfeito para um ex-adolescente ainda retraído, mas ávido por novas aventuras, que não tardaram. Por aquela época, os protestos contra o regime militar se tornaram mais explícitos na imprensa, e grupos contrários à iminente abertura política passaram a patrocinar atentatos a bomba em bancas de jornais. Num daqueles dias, eu caminhava pela Galeria Copan quando ouvi um estrondo muito alto. Corri para a rua, certo de que tinham explodido a banca que havia na frente do prédio. Não. Ao chegar lá, me deparei no asfalto com os estilhaços de um corpo que tinha acabado de despencar do 13º andar. 

1980. Eu já com 16 anos de idade começava a querer ampliar meus horizontes. A primeira coisa era trabalhar em uma empresa maior, se possível no centro da cidade. Foi o que fiz. Saí do jornal e entrei no departamento de seguros do Bradesco, no sétimo andar do edifício-sede do banco, bem ao lado do famoso Copan e da esquina que, dois anos antes, tinha sido imortalizada por Caetano Veloso. Fiquei quase um ano nesse emprego, convivendo diariamente com jovens da mesma idade e quase os mesmos sonhos que eu. A rotina era maçante, resumia-se a atualizar manualmente fichas e mais fichas de segurados. As gavetas dos arquivos eram tão abarrotadas que vivíamos ferindo feio os dedos. Eu detestava aquele trabalho burocrático e burro, mas adorava caminhar pelo centro velho de São Paulo na hora do almoço. Percorria a Galeria Copan, a Praça da República, as calçadas da avenida São Luiz, os jardins da Biblioteca Mário de Andrade, a histórica Galeria Metrópole. Nessa época, comecei a ficar com uma pequena parte do meu salário. Assim, no dia em que o pagamento saía eu podia acompanhar meus amigos do trabalho em um pequeno luxo que repetíamos todo mês: ao invés de almoçarmos no bandejão do Bradesco, de comer aquele grude insosso que nos dava dor de estômago, íamos todos à lanchonete Jack in the Box ali perto. Curtíamos juntos um momento que parecia compensar a proibição de conversas e risos durante o expediente.



Eu estudava no Colégio Gonçalves Dias, um pouco mais distante de casa do que era a escola David Eugênio. Era colega de sala do Joel. Filho de uma feirante, Joel morava num bairro vizinho ao meu, numa casa que vivia cheia de gente. Um pouco mais velho e de personalidade bem mais expansiva, o leonino Joel sempre foi reconhecido como uma pessoa de grande coração. Aliás, ele e a Maria, que também era da nossa turma no colégio, são meus amigos até hoje, os mais antigos que tenho. Joel também não tocava nenhum instrumento harmônico, mas não tinha vergonha de cantar e batucar em qualquer coisa que estivesse na frente. Por ter trabalhado na feira com a mãe, tinha a voz rouca de tanto gritar preços e produtos, mas era afinado e dono de um timbre interessante. A Maria, além de bonita e inteligente, sambava como ninguém. Era por isso desejada por vários rapazes do colégio, inclusive por mim, que o fazia em segredo. Mais tarde compus um samba pra ela, uma das raras músicas que fiz antes dos 20 anos de idade que sobreviveram para uma possível futura gravação.



Em 1980, fui presenteado com este LP da Simone por uma amiga de então que nunca mais vi. Fazíamos parte de um grupo de jovens que se reunia todos os sábado para conversar, ouvir discos de MPB e, claro, também para namorar. Antes de se tornar cantora, Simone foi professora de Educação Física e integrou a seleção brasileira feminina de basquete. Ela chegou a dar aulas no colégio em que estudei, na Zona Norte de São Paulo. Eu e meus colegas escalávamos o muro da quadra para assistir às aulas daquela bela professora.

Por meio de um amigo em comum, conhecemos dois rapazes que tocavam violão e tinham um grupo de MPB, chamado “Sangue Novo”. O Orlando, conhecido como Landinho, era primo do Alexandre, conhecido como Alexandre mesmo. Eles não só tocavam todo o repertório dos mineiros do "Clube da Esquina" como compunham, e bem. Eu ficava maluco com aquilo. Depois de alguns encontros regados a cerveja e muita música, fomos assisti-los na final de um festival de colégio. Naqueles anos, era comum haver desses festivais nos principais colégios de São Paulo. Alguns eram muito bons, e a maioria dava prêmios em dinheiro. O “Sangue Novo” tinha se classificado para a finalíssima com a música “Hino aos Trabalhadores”, uma mistura de tango com marcha de carnaval que empolgava o público com sua letra irônica de crítica social e política. Era uma parceria do Landinho com o Alexandre.



Desde o fim dos antológicos festivais de MPB da TV Record, não foram poucas as tentativas de reviver a antiga fórmula que unia a descoberta de grandes talentos com o mais puro showbusiness. Em 1979, a TV Tupi, então prestes a ser extinta, lançou um desses festivais. Entre as revelações que participaram, como o vencedor Fagner, o segundo colocado Walter Franco e o terceiro Oswaldo Montenegro, estavam os irmãos gaúchos Kleyton e Kledir, que receberam menção honrosa pela divertida "Maria Fumaça". Durante toda a década seguinte, a dupla frequentaria as paradas de sucesso do Brasil com seu som pop repleto de citações e gírias tipicamente gaúchas.

Estávamos eu, o Joel, a Maria e a bonita irmã do Landinho, minha futura "namorada-relâmpago" Olívia, na plateia daquela final. Foi ótimo ver nossos amigos levantarem a galera com o refrão “Nós somos trabalhadores e cada dia trabalhamos sempre mais / as crianças passam fome, passam sede / o jeito é fechar a porta e abrir o gás”. Todo mundo cantava junto. A música ficou em segundo lugar, perdendo para um bom xote que também fazia crítica política, coisa quase inevitável naqueles tempos. Fomos comemorar, embora o Landinho se mostrasse chateado. Eu não sabia, mas era a segunda vez que aquela música ficava em segundo lugar num festival. Naquela noite, fui para casa disposto a mudar aquilo. Logo no dia seguinte, procurei o Landinho e o Alexandre para mostrar novas três estrofes que eu tinha escrito para a música. Eles aprovaram e me incluíram na parceria, mas não queriam mais saber daquela canção que parecia destinada a ser vice-campeã. Insisti e, semanas depois, estávamos classificados para a final de outro festival, com uma versão ampliada e ainda mais irônica do “Hino aos Trabalhadores”. Eu, o Joel e meu irmão Dario tínhamos ingressado no “Sangue Novo”. Como não sabíamos tocar nada, assumimos o vocal. Subimos no palco vestidos com macacão de frentista e segurando cada qual uma marmita. Na plateia, além dos amigos habituais, estavam também as famílias de todos os integrantes do grupo. Ganhamos o festival. Enquanto comemorávamos o prêmio, um sujeito nos puxou para o lado e fez um convite. Estava surgindo ali o “Hino do PT”, mas isso eu conto na sequência.

5 comentários:

MARIA disse...

É sempre uma delícia acompanhar o seu blog. Pois, suas histórias e comentários me faz viajar no tempo e reviver a minha infância e adolecência, mesmo antes de te conhecer, porque temos algumas histórias e vivências parecidas. Provavelmente, pelo fato de vivermos em bairros vizinhos e estudarmos nas mesmas escolas.
Agora, esta Maria aí sou eu???? Obrigada pelos elogios, por me revelar está Maria que nem imaginava ser e que era desejada pelos meninos, os quais, eu julgava serem meus amigos apenas porque eu era uma garota legal.
Também é muito bom reviver esta fase em que fugiamos das aulas para irmos cantarolar na casa do Ney. Frequentavamos os festivais estudantis para torcer por vocês e até mesmo os ensaios, onde aprendiamos as letras para fazer o coro na platéia.
Bjs e Parabéns pelo sucesso do blog, com 724 visitantes de 31 países

Marcelo Amorim disse...

Que bom que você está por aqui, Maria! Melhor ainda saber que está curtindo as histórias, ainda mais agora que virou personagem delas, e personagem real, sim, que encantava a turma toda. Foi uma época muito boa mesmo essa, uma fase da vida em que as coisas pareciam acontecer num ritmo acelerado. Você lembrou bem do Ney, aqueles encontros na casa dele eram muito divertidos, até quando era pra gente estudar madrugada adentro pra prova de física. Um grande beijo daqui da fria Curitiba pra você aí na bela Aracaju!

Francis disse...

Marcelo, esse disco é muito bom. Simone sempre foi firme. Nessa época eu gostava muito de: "São as trapaças da sorte / São as graças da paixão... (que não sei se é nesse). E lhe convido a visitar o "Sol" que tem uma botija com um galo cantando em cima (risos)

Marcelo Amorim disse...

Essa música que você lembrou é linda, mas não é desse LP não, é do "Face a Face", que tenho comigo ser o primeiro da Simone, mas não fui ao tipo google pra confirmar. Depois vou lá no Sol... aliás, estamos precisando muito de Sol aqui em Curitiba, por esses dias ;-)

Francis disse...

Risos: mas não se engane que já há boatos científicos de que lá no sol é gelado, mas seu retorno de luz, é esse sol quente acompanhado de uma taça de mar. Há quem diga que sol é (s)céu. Te espero no meu Sol... Abç.