segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Dois cearenses e uma casa

Localizada no que hoje é o centro de Quixeramobim, esta casa, cuja parte da frente era um armazém, foi local de nascimento dos dois personagens mais ilustres desta cidade do sertão cearense. E com uma diferença de mais de 100 anos entre um nascimento e outro.

Adoro mapas. Tendo vários mapas do Ceará colados na parede da sala em que estou trabalhando, é natural que, vez ou outra, eu me pegue percorrendo o estado com os olhos da imaginação. Não saí de Fortaleza, e dificilmente conseguirei fazer isso. Uma pena, pois gostaria de conhecer algumas regiões, especialmente aquela conhecida como Sertão Central, que tem Quixeramobim como uma de suas principais cidades. Pois hoje, fazendo meu tour costumeiro, alguns nomes de cidades começaram a me trazer a lembrança de uma página da história brasileira que sempe me atraiu muito: a Guerra de Canudos. Para você ter uma ideia, no início da década de 1990 percorri sozinho a região do conflito, pesquisando, visitando cidades, arraiais, sítios arqueológicos, conversando com filhos de "conselheiristas" mortos na guerra, lendo relatos originais, fotografando ruínas. Tornei-me um conhecedor do assunto, fui até entrevistado pela revista Superinteressante para falar sobre o assunto. Também cheguei a participar - embora rapidamente - de uma espécie de confraria que havia em São Paulo reunindo estudiosos do escritor Euclides da Cunha. Porém, há muito tempo não retomo esse tema, embora o interesse permaneça sempre vivo em mim.

O corpo de Antonio Conselheiro, fotografado momentos antes de ser decapitado

Corri pesquisar e as lembranças se justificaram. Antonio Conselheiro, líder do Arraial de Canudos, é cearense. Nasceu em Quixeramobim, então um povoado paupérrimo encravado num sertão que não inspirava futuro a ninguém. De lá, ele se deslocou para outros povoados do estado. Chegou a ser professor em Sobral, hoje uma das principais cidades do Ceará, até adentrar o sertão baiano e fundar a vila do Bello Monte, às margens do rio Vaza-barris. Não vou me alongar na história, sob pena de me empolgar e me demorar demais. Mas o que foi ainda mais interessante foi descobrir que na mesma casa onde nasceu Antonio Conselheiro, cujo nome de batismo era Antonio Vicente Mendes Maciel, nasceu também o letrista e arquiteto Fausto Nilo. A casa é hoje o "Memorial Antonio Conselheiro", e é tombada pelo patrimônio histórico do Ceará. Na fachada praticamente original (vide acima), duas placas: uma alusiva ao Conselheiro, outra ao compositor.


Nesta foto sem crédito, o vilarejo chamado de Canudos Velho, com uma estátua de Antonio Conselheiro em destaque. Ao fundo, lá embaixo, o açude de Cocorobó, construído pelos militares em 1969, na tentativa de sepultar o palco de uma das mais tristes páginas da história do nosso país

Fausto Nilo é parceiro de vários artistas de nome, como Fagner, Dominguinhos e Moraes Moreira, e possui músicas gravadas por Elba Ramalho, Luiz Gonzaga, Simone, Gal Costa, Ney Matogrosso e muitos outros. Dias atrás, encontrei num jornal local uma página inteira dedicada a uma entrevista com o Fausto Nilo, onde, para a minha surpresa, não havia uma linha sequer mencionando o letrista, apenas o arquiteto, sinal do quanto ele é respeitado aqui também como tal. Outro fato interessante: Fausto Nilo não só nasceu na mesma casa em que Antonio Conselheiro veio ao mundo, como seu pai usava a casa para um comércio, coisa que o pai do Conselheiro também fazia, lá na primeira metade de 1800. Para alguém que é, como eu, um entusiasta da Guerra de Canudos e da MPB, essa história foi uma descoberta e tanto.



Fausto Nilo canta com extrema delicadeza um dos seus maiores sucessos, composto em parceria com Moraes Moreira, "Meninas do Brasl"

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