sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O primeiro show - parte final

Elis Regina em um momento do show "Transversal do Tempo". Foto sem crédito

Conhecia muita coisa da Elis pelo que tocava no rádio. Nos anos de 1975 e 1976, ela tinha alcançado enorme sucesso com um show antológico, o “Falso Brilhante”. Considerado um dos maiores espetáculos já produzidos na música brasileira em todos os tempos, “Falso Brilhante” foi decisivo para que Elis fosse alçada à condição de melhor cantora que o país já teve. Tal título era, e ainda hoje é, corroborado por alguns dos nomes mais importantes da nossa música, da crítica especializada e por grande parte da opinião pública. Ela estava no auge de sua técnica vocal e expressividade artística. A união musical com o pianista e arranjador César Camargo Mariano (também seu marido à época, com quem teve os filhos Pedro Camargo Mariano e Maria Rita) foi co-responsável pela guinada que sua carreira teve nesse período.
Depois de “Falso Brilhante”, Elis estréia o show “Transversal do Tempo”. Era 1978. O Brasil, ainda sob as rédeas da repressão política patrocinada pelo regime militar, vivia um momento especialmente difícil. A atmosfera do espetáculo estava impregnada dessa tensão. A sonoridade tinha um peso que incomodava, provocava. Elis era uma voz que se levantava contra a ordem vigente no país. Sua interpretação para “Cartomante”, de Ivan Lins e Vitor Martins, é um retrato empolgante disso.



Este vídeo, assim como o do post anterior, onde Elis canta "Fascinação", é da apresentação do "Transversal do Tempo" em Lisboa. Um fato interessante, aliás, foi o "Transversal" iniciar com "Fascinação", que foi uma das principais músicas do repertório do show anterior, "Falso Brilhante". A sensação pretendida, imagino, era de um "falso-Falso Brilhante". Nesses vídeos da apresentação em Portugal ela aparece muito mais contida do que esteve quando a vi em São Paulo. Aliás, a Elis pulou tanto naquela noite que acabou torcendo o tornozelo e tendo que encurtar um pouco o show, o que fez pedindo desculpas ao público enquanto as lágrimas desciam pelo seu rosto. O público lamentou no primeiro instante, mas logo em seguida se levantou para um aplauso consagrador. Plateia, músicos e estrela permaneceram varios minutos aplaudindo-se mutuamente. Olhei para os lados e vi muita gente chorando.

Não tenho lembranças de antes do show. Nenhuma. O teatro era o TAIB, Teatro de Arte Israelita Brasileiro, no bairro Bom Retiro, em São Paulo. Talvez me recorde vagamente da aglomeração na frente do teatro, mas não tenho certeza. Porém, jamais me esquecerei de quando aquela mulher surgiu no palco. O roteiro e a direção do show eram de Aldir Blanc e Maurício Tapajós, com direção musical de César Camargo Mariano. A banda era formada pelos ótimos César (teclados), Natan Marques (guitarra e violão), Crispim del Cistia (guitarra e teclados), Fernando Cisão (baixo) e Dudu Portes (bateria). Quando a banda começou a tocar e o canhão de luz iluminou Elis no centro eu me assustei com o tamanho dela. Aquela mulher parecia enorme. O efeito da luz, a magia do palco, a altura do som, minha primeira vez numa platéia, tudo ajudava a criar um momento de quase fantasia. Mas certamente o carisma e a energia da "pimentinha", e principalmente a voz poderosa que saiu daquele microfone foram definitivos para fazer com que aquela mulher de apenas 1,53m de altura parecesse um mulherão aos meus olhos. Porque, naquele instante, eu não vi a Elis com os meus olhos, mas sim com a minha emoção. Inês de Castro, a jornalista com quem eu trabalhava e que me levou ao show, tinha me dado muito mais do que um show. Eu acabara de ser presenteado com um pedacinho de eternidade.



Em uma pesquisa feita pela Folha de São Paulo, em 2001, "Águas de Março", composta por Tom Jobim, foi eleita a melhor música brasileira de todos os tempos. A versão em dueto gravada com Elis em 1974, no álbum "Elis & Tom", e que aparece nesse vídeo, foi considerada uma das 10 mais importantes gravações de música popular no mundo. A fonte dessa informação é uma lembrança que tenho, anos atrás ouvi isso, mas não consegui encontrar uma confirmação oficial.

8 comentários:

Francis disse...

Boa tarde querido Marcelo. Que experiência hein? Bonito quando vc diz: "pedacinho de eternidade". "Transversal" seguia a sequência dos grandes shows. "Falso Brilhante" parecia nunca se acabar e "Fascinação" deu essa idéia, né? Depois temos o post de Elis & Tom, que desafiaram-se sem desafinar. Viajei no texto, vivenciei o que não vivi. Visite meu post em "Memória Elis" e leia "Elis não vai despetalar". Consulte meu e-mail no blog... que eu preciso de uma opinião sua, num projeto. Parabéns pelo lindo texto

Beth Kasper disse...

Pois entrei aqui nos comentários pra falar que achei lindo o que Francis comenta sobre o "pedacinho de eternidade". Ele chegou antes de mim mas assino embaixo. Elis csntsndo e tuas lembranças são poesia pura!

Selena Sartorelo disse...

Olá Marcelo,

Se você foi presenteado o que dizer de nós então com essa postagem maravilhosa que fez agora.
Um tempo que parece tão próximo e que você compartilhou com tanto cuidado e importância na escolhas tão certas das músicas e das palavras.

beijos

Vivica disse...

Eu aprendi a cantar Águas de Março quando a mãe entrou pra um coral e o pai resolver aprender a tocar teclado.
Mas depois de Fascinação, a que eu mais gosto é 'Alô, alô , marciano, aqui quem fala é da Teeerrra" rsrsrs

E eu nem sou bairrista nada...só pq eu acho que Vinte de Setembro é que deveria ser Feriado Nacional e não o dia Sete! Isso não é bairrismo...rs! Bjs

Marcelo Amorim disse...

Francis, agradeço muito sua visita e as palavras de carinho. Já estive no seu blog e gostei muito desse post que você me indicou. Qualquer coisa que eu puder ajudar, me fala.

Marcelo Amorim disse...

Liz, tô todo faceiro aqui por saber que você tem acompanhado minhas lembranças e gostado do que tem lido. Espero continuar te trazendo coisas boas, ou no mínimo boas histórias.

Marcelo Amorim disse...

Selena, moça do nome bonito, pode ter certeza que fico muito feliz com sua visita, e mais ainda por saber que minhas histórias, ao menos algumas delas, te fazem bem.

Marcelo Amorim disse...

Vivi, gaúcho nunca vai deixar de ser bairrista, mas concordo com você com relação ao feriado, mas acho pouco provável que isso aconteça...rs. "Águas de Março" é linda, né? É música pra se ouvir várias vezes, e a cada vez descobrir algo novo.