segunda-feira, 17 de maio de 2010

O jazz, a cantora e eu - parte 3

O álbum duplo "Singers", da coleção Atlantic Jazz, do lendário selo norteamericano Atlantic Records. Uma coletânea de vozes fantásticas em 25 músicas idem. Tempos depois, encontrei a série completa em um sebo no centro velho de São Paulo. Trata-se de um verdadeiro tesouro musical.

Claro que saí dali encantado. Além do belíssimo espetáculo, da mágica recriação de uma época, dos contagiantes números de dança, das músicas geniais, do show de iluminação, do cenário impecável, dos drinques servidos com absoluta honestidade, eu havia dançado com a linda cantora. No caminho de volta para casa, combinei com o Alexandre que estaria no dia seguinte, domingo, na casa dele. Iria gravar uma fita cassete para a Izy Gordon. Queria gravar exatamente as músicas daquele disco que ele tinha e que ouvimos no percurso até o teatro. Depois, eu voltaria para ver o show, mas desta vez sozinho. Ele se divertiu com a história, e na verdade ambos estávamos meio embriagados, meio bestas. Qualquer coisa que disséssemos a respeito do “Emoções Baratas” – e foi disso que falamos por todo o caminho – seria muito bem vinda.


Jimmy Witherspoon, impecável, canta "Tain’t nobody’s bizness if I do"

Para a minha alegria, o Alexandre resolveu me dar a fita que estava rodando no toca-fitas do carro. Como ele tinha o álbum, ele gravaria outra depois. Assim, ganhei um tempo para chegar mais cedo na bilheteria do teatro no domingo, já que corria o risco de não ter ingresso, mesmo eu precisando de apenas um. Para a minha sorte, não só havia alguns ingressos avulsos ainda disponíveis, como encontrei um no mesmo balcão do bar, embora no banco mais à lateral, de visibilidade pior que o da noite do sábado. Já tendo tomado o meu lugar, fiquei apenas na expectativa da entrada da Izy no palco. Num dos bolsos da minha jaqueta, a fita cassete que eu pretendia entregar para ela naquela noite. Só não sabia ainda como faria isso.


Ruth Brown em "Mama He Treats Your Daughter Mean"


Eis que a Izy aparece no palco, de um jeito tão luminoso que vi nela uma mulher ainda mais bonita que tinha visto na noite anterior. O tecido macio do vestido que ela usava escancarava as curvas do seu corpo. Fiquei curtindo o show sozinho, apreciando cada detalhe que tinha me escapado na primeira noite. A performance dos dançarinos e dançarinas impressionava. Entre todos destacava-se um negro magro, elegante e vigoroso, de nome Sebastião. Terminada a temporada do “Emoções Baratas”, Sebastião adotaria o nome artístico de Sebastian e passaria a estrelar as campanhas publicitárias da rede de lojas C&A, coisa que fez por muitos anos.


Ella Fitzgerald e o clássico da bossa nova "Desafinado"

Chega, então, a hora da volta do intervalo. Para a minha surpresa, a Izy veio na minha direção e me tirou novamente para dançar, o que me deixou muitíssimo feliz. E lá fomos os dois para o palco, desta vez mais à vontade. Durante a dança, ela me explicou que cada um tinha que tirar alguém de um determinado setor do teatro. Disse que aquilo sempre a deixava um pouco constrangida, pois ela tinha receio de convidar alguém que se mostrasse depois uma roubada. Contou que na noite do sábado, como sempre fazia, logo que entrou no palco para o primeiro número foi olhando as opções que teria para escolher, e que assim que bateu os olhos em mim (de um jeito tão sutil que não percebi) decidiu-se imediatamente por me convidar. Por fim, revelou que tinha ficado muito feliz de me ver de novo ali, quase no mesmo lugar, pois tinha se sentido bem comigo. Eu, claro, adorei saber daquilo, e disse que tinha algo para entregar a ela depois do espetáculo. Ela pediu que eu a procurasse no camarim uns quinze minutos depois do fim do show. Despedimo-nos no palco com um rápido beijo. Ela sorriu linda, e pelo restante do show eu tive a sensação de que ela cantava para mim.
(continua)


Peggy Lee canta "Why don't you do right"

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