segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O "hino do PT" - final


Quase dois anos antes, eu tinha tido um breve contato pessoal com o Lula, o Lula presidente do Sindicado dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, em São Paulo. Ele estava no auge de sua carreira como líder sindical, liderança que, aliás, levou-o à prisão nesse mesmo 1980. Nesse contexto, fui assistir à peça “Braços cruzados, máquinas paradas”, escrita e encenada por algumas das irmãs e irmãos da Inês de Castro, a jornalista que tinha me levado ao show da Elis. O enredo da peça era justamente um retrato sem retoques da repressão sofrida pela classe trabalhadora, que começava a se organizar politicamente. Era uma montagem tensa, pesada, porém esperançosa. A ditadura começava a dar mostras de enfraquecimento. Naquela noite, Lula estava na platéia, e no final do espetáculo tomou parte de uma pequena roda de pessoas, onde estavam os atores, diretores e autores da peça. Eu também estava ali. Lula, que naquela época jamais poderia sequer sonhar com o que o destino reservava a ele, era a presença mais festejada. Entre coisas que não me lembro, ele se saiu com uma frase que deu muita alegria para o pessoal da produção: “olha, vou dizer pra vocês que eu não gosto de teatro... não gosto e não vou... mas gostei desse negócio aqui, viu, gostei demais... a coisa acontece desse jeito mesmo que vocês mostraram”.

O sujeito que nos chamou para o canto era representante do nascente PT, o Partido dos Trabalhadores. Alguém tinha visto a gente se apresentar na semifinal e dito a ele que deveria estar lá para nos conhecer, e ele foi. O PT estava sendo criado a partir de lideranças sindicais, oriundos em sua grande maioria dos maiores sindicatos de São Paulo. Contava também com a presença de intelectuais de esquerda, de lideranças católicas ligadas à Teologia da Libertação e com a simpatia de políticos do antigo MDB, como Ulisses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso e Franco Montoro. Para conseguir a filiação de populares,  pequenos showmícios eram improvisados na periferia de São Paulo. Sobre caçambas de caminhão, ou mesmo o teto de uma Kombi, líderes da comunidade local e futuros integrantes do PT discursavam para arregimentar pessoas, que tinham apenas que preencher uma ficha ali mesmo para formalizar a filiação. Enquanto isso, sobre uma mesa desmontável vendia-se camisetas, broches no formato da estrela vermelha, bonés, diversos souvenires que já haviam se tornado febre, especialmente entre os estudantes. Valia tudo para levantar fundos para a nova legenda. Entre um discurso e outro, chamavam ao palco uma atração musical. O "Sangue Novo" era uma dessas atrações. "Agora, com vocês, os meninos que fizeram o Hino do PT!”, era como costumavam nos anunciar. E lá íamos nós com os macacões de frentista, as marmitas, os violões e as três vozes cantar em uníssono “Levantando de manhã / lavo o rosto pra acordar / vou catando minha marmita / pra ir logo trabalhar / pego um bus tão apertado / que nem dá pra se mexer / vou passando espremidinho / dá licença, eu vou descer / nós somos trabalhadores e cada dia trabalhamos sempre mais...”.


Nesse tempo em que trabalhei ao lado do Edifício Copan, uma figura com quem topei com muita frequência pelas ruas foi Plínio Marcos. A região era próxima ao Teatro Oficina e ao lendário Teatro de Arena, um dos principais palcos de resistência da classe artística contra o regime militar. Plínio estava sempre a bordo de um chinelão de couro, e tinha uma barriga que chegava cinco minutos antes. Ele oferecia seus famosos livrinhos, editados de forma independente. Comprei vários deles, que o dramaturgo autografava satisfeito, dizendo sempre a mesma frase: "prometo morrer logo pra valorizar o livro".

Foi assim que, involuntariamente, ajudei a criar o primeiro e extra-oficial Hino do PT. Na verdade, o "Hino aos Trabalhadores" nunca foi um hino de fato do PT, nem sequer extra-oficialmente. Mas naqueles pequenos e paupérrimos showmícios, realizados geralmente nas tardes de sábado, era assim que a música era apresentada e bem recebida. Mesmo tendo participado dessa história, nunca me filiei ao PT. Durante muitos anos ostentei a estrela vermelha na lapela, o que foi uma consequência natural para quem cresceu sonhando com um país diferente daquele que conhecera desde criança. Um país onde o regime político vigente fosse o democrático, a liberdade de expressão fosse um direito inquestionável, as opiniões políticas fossem respeitadas, as condições de vida e trabalho das pessoas mais humildes fossem melhores do que eram. Pelos anos seguintes, a política esteve sempre muito próxima de mim, principalmente quando entrei na universidade, em 1981.



O regime militar dava mostras de estar vivendo seu epílogo. A lei de anistia havia sido assinada em junho de 1979, fazendo com que os exilados recuperassem seus direitos políticos e começassem a voltar ao país. Mesmo assim, ainda havia algumas batalhas a serem vencidas. A principal delas estava ainda distante: a restituição de eleições diretas em todos os níveis. A verdade é que os militares perdiam cada vez mais prestígio, até diante da parcela da opinião pública que os havia apoiado nos primeiros anos do golpe de 1964. Os intelectuais, os estudantes e a classe trabalhadora organizada não estavam mais dispostos a viver amordaçados. O povo brasileiro começava finalmente a sair às ruas para reivindicar um novo Brasil. Esse clima de mudança, é claro, aparecia em muitas das músicas da época. Uma das mais representativas foi "Novo tempo", de Ivan Lins e Vitor Martins.

6 comentários:

Francis disse...

Bem postado Marcelo. Sempre admirei Plínio. Essa imagem de Elis tá linda. E música de Ivan (ou tudo que ele escreve) é muita boa... Te vejo no Sol". Abç

Marcelo Amorim disse...

Interessante esse vídeo da Elis, né, Francis? É bem mais natural que aquele famoso clipe (bonito, por sinal) do Fantástico, por isso preferi ele. Quanto ao Plínio Marcos, era uma grande figura, em todos os sentidos. Um abraço.

Francis disse...

Desse período aí de Lula, eu tenho uma entrevista de Elis, no Pasquim, 79, falando do seu encontro com ele. Falo do jornal original, porque se pode ler em livro, na internet... Abç.

Adão Alves dos Santos disse...

Parabéns, pela memorias de nós todos. Gostariamos de contar com sua força para o Hino do PT.
É importante para nós a sua palavra
http://www.youtube.com/watch?v=ZOAqy6YK08Q

Gratos

Marcelo Amorim disse...

Grato pelo convite, Douglas. Eu já tinha ido ao youtube conferir o hino oficial do PT, e sei que ele está fazendo sucesso. Um abraço.

Anônimo disse...

Agora tem o Hino do PT na versao "POP"!
http://youtu.be/6V3BIwA7rO8