
Antes de continuar essa narrativa, quero situá-la melhor no contexto histórico e cultural. Estávamos bem no início dos anos de 1970. A situação política do país era muito complicada. Com a edição do AI-5, que aconteceu no finalzinho de 1968, e a posse do general Médici na presidência da república, o Brasil vivia um período de pesada repressão. A liberdade individual era limitada e balizada pelo conceito tão rígido quanto subjetivo da “Segurança Nacional”, o que vale dizer que tudo servia como motivo para abordagens, detenções, prisões e até para torturas e “desaparecimentos”. A censura comia solta, e também seguia os parâmetros mais variados possíveis, como, por exemplo, o humor dos agentes censores.
Chico Buarque e Jair Rodrigues comemoram o resultado do 2º Festival da Record, em 1966, que dividiu o primeiro lugar entre as músicas "A Banda" e "Disparada". Desde a segunda metade da década de 1960, o país via surgir talentos a granel por conta dos lendários festivais. A música brasileira provavelmente jamais viveu um período tão intenso e turbulento como aquele.
Para tornar a questão mais didática, especialmente para quem não viveu os anos da ditadura, podemos dizer que havia três correntes muito distintas na nossa música de então: uma primeira de compositores e cantores que usavam sua arte e sua voz como instrumento de resistência, questionando e até mesmo confrontando o regime militar; outra, exatamente oposta à primeira, que assumia muitas vezes um papel próximo ao de porta-voz do governo, gravando canções com mensagens ufanistas; e uma terceira corrente que parecia indiferente ao clima de terror instalado no país.
O conjunto "Os Incríveis" emplacou vários sucessos na época, entre eles a marcha-rancho "Eu te amo, meu Brasil", que foi muito utilizada pelo governo militar em sua propaganda anti-esquerda. O talento de seus músicos, como Netinho e Manito, sobreviveu às questões políticas, e o grupo é hoje reconhecido como um dos mais importantes da história do rock brasileiro.
Embora eu não tivesse idade suficiente para refletir sobre o posicionamento político dos adultos com quem eu convivia, o fato é que à minha volta imperava o que posso chamar hoje de um certo "distanciamento". Assim, em nossa casa, naquela época, não entrou nenhum disco de artista que produzisse a chamada “música de protesto”. Já nas escolas estaduais que freqüentei durante o período do governo militar, especialmente nos primeiros anos de estudo, imperava o ufanismo oficial. Se em casa eu aprendia as letras de sucessos aparentemente ingênuos, nas salas de aula eu decorava canções repletas de mensagens que glorificavam o "milagre econômico", a paz, a ordem e o progresso do país. Em razão disso, quando chegou a hora de ir lá na frente cantar para todos os meus colegas de classe, certamente eu não iria escolher nada do repertório do já famoso carioca Chico Buarque de Hollanda, menos ainda do paraibano de voz e semblante graves Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, o Geraldo Vandré. Dito aqui, feito lá.
(continua num próximo post)