terça-feira, 4 de agosto de 2009

Um disco pra chamar de meu

A ventania! Olha a ventania!!”, gritava a minha tia Ilda. E partiam as duas aflitas pro quintal, ela e a filha Regina, correndo recolher do varal todas as roupas, mesmo as que ainda estavam úmidas. Ia chover, e chover forte. Mas não era isso que eu entendia daquela cena. Para mim, um pirralho ainda em fraldas, “ventania” era o nome de uma bruxa má que andava pelas ruas carregando uma enorme e pesada sacola. Sua imensa maldade consistia em roubar dos varais das casas as roupas estendidas (na foto sem crédito, a atriz americana Agnes Moorehead, caracterizada como a bruxa Endora da série de TV "A Feiticeira", produzida entre 1966 e 1972)

O ano era 1976. Naquele exato dia eu estava completando 13 anos de idade. Acordei com um primo meu chacoalhando minha cama. Era o Gilberto, o “Této”, com quem muito antes eu tinha tido experiência de irmão. Numa época não muito precisa, eles me acolheram por um tempo. Sua mãe, minha tia Ilda, chamada pelos sobrinhos de “Tidinha”, é por isso para mim minha segunda mãe. Ainda hoje vejo com nitidez cenas que ficaram na minha memória, naquelas horas em que a memória parece funcionar fora da gente. Vejo-me acordado e em pé dentro do berço, segurando na grade alta de madeira, a prima Regina chegando para abrir a janela e botar o dia para dentro do quarto. Lembro do café da manhã com manteiga pura comprada numa casa vizinha, naquela periferia de São Paulo onde ainda tinha gente que criava vacas. Lembro do tio Joãozinho saindo de caminhão para a lida. Talvez tenha sido nesse tempo que aprendi que a maior benção da vida é poder ficar em pé para receber um novo dia.

O britânico Rod Stewart começou a mostrar seu timbre rouco e áspero como vocalista do "The Faces". O guitarrista do grupo era Ron Woods, que mais tarde passaria a integrar os "Rolling Stones". Depois de iniciar sua vitoriosa carreira solo, no início dos anos 1970, Rod Stewart mudou-se para os Estados Unidos e pediu a cidadania norte-americana. No mesmo ano, mais precisamente 1975, lançou o álbum "Atlantic Crossing". A canção de maior sucesso foi "Sailing", que atingiu o topo das paradas do mundo. Outra canção muito conhecida do álbum é a belíssima "I Don't Want To Talk About It".

Eis que acordo naquele meu aniversário de 13 anos com o Gilberto me dando os parabéns e me entregando, eu ainda confuso de sono, um compacto-duplo acondicionado num envelope de presente. Abro ansioso para descobrir um disco do Rod Stwart. Pelo menos uma das quatro canções do compacto eu já cantava de cor, a faixa "Sailing", que frequentava as rádios paulistanas desde o ano anterior. Eu ganhava, então, meu primeiro disco. Anos depois, e por muitas vezes, ouvi dos meus amigos e parentes a frase “quer agradar o Marcelo, dê pra ele um disco”. E essa era uma verdade, uma verdade tão pura quanto a manteiga da vizinha da Tidinha, da nossa vizinha. Meu primo Gilberto não sabe, mas naquele dia ele eternizou em mim um valioso instante. Mesmo que eu chegue aos 80 ou 90 anos de vida, ainda me lembrarei daquela manhã em que fui acordado por música.

Curiosidade: Ron Woods aparece no comecinho do vídeo acima, despedindo-se após certamente ter feito uma participação especial nesse show do Rod Stewart.

2 comentários:

Vivica disse...

Meu primeiro disco era de historinhas infantis. Eram quatro, mas eu só ouvia Dona Baratinha. Depois, um compacto-duplo (que eu chamava de cd de vinil) da Xuxa (decepcionante pra mim, só duas músicas de cada lado não dava nem pro começo das festinhas de aniversário!). Também tive um disco da Família Dinossauro. Enfim, tudo de ruim do começo dos anos 90.
Mesmo sendo da geração da pós-moderna, ainda acho vinil bem mais legal! :D

Beijos

Marcelo Amorim disse...

Bom, Vivi, eu não me lembro de ter tido algum disco infantil, em casa tinha uns com narrativas de histórias infantis, "O soldadinho de chumbo", por exemplo, lembro que tinha. Mas acho que eram coisas das minhas irmãs, mais novas que eu. De qualquer forma, o do Rod Stewart, além de ter sido o primeiro que ganhei, era de "música de verdade". Nada de Xuxa nos anos 60 ou 70, ainda bem ;-)